Nascida em Lisboa a 21 de Setembro de 1959, é escritora, poetisa, letrista e editora. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (variante de Estudos Ingleses e Franceses), exerceu funções como professora durante cinco anos e é neste momento parte integrante do grupo editorial Leya. Estreia-se nas andanças literárias ao publicar no ano de 1993 o romance "Alguns homens, duas mulheres e eu", aventurando-se mais parte pela Poesia, Ficção, Crónicas e Literatura Juvenil. Recebeu alguns prémios, tais como o "Prémio Literário Fundação Inês de Castro", "Prémio Sebastião da Gama", etc. Como letrista, escreveu para artistas como Carlos do Carmo, Ana Moura, António Zambujo, etc. Mais recentemente, escreveu as letras das canções "Mano a Mano" (interpretada por Salvador Sobral) e "Visita de Estudo" (interpretada por António Zambujo). É a sétima convidada da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas” e tem a amabilidade de responder a 24 perguntas (excecionalmente e por pedido da própria) que inquietam qualquer artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela Literatura? Maria do Rosário Pedreira: Antes da Literatura, veio a leitura. Entusiasmei-me com as letras desde que as aprendi e, talvez por ser a mais nova de uma família grande e histriónica e raramente ter tempo de antena, acabei por me refugiar logo em criança no texto, lendo ou escrevendo. Comecei a ler bastante cedo (por imitação também, porque toda a família lia), mas a Literatura chegou sobretudo nos últimos anos do Ensino Secundário, pois, até então, as minhas escolhas não obedeciam a nenhum critério específico. Tão depressa lia livros aos quadradinhos como romances mais exigentes. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? MRP: Penso que, como a todos os escritores, nada inspira tanto como a própria vida. No meu caso, são sobretudo os momentos dramáticos que conduzem à escrita de poesia, momentos que vivi ou aos quais assisti. Mas é claro que, depois, há uma oficina consciente que já pouco tem que ver com a biografia. SI: Costuma planear um livro? MRP: Fi-lo apenas quando escrevia livros infanto-juvenis, nos quais contava uma história com princípio, meio e fim e não convinha que me perdesse. De resto, não faço grandes planos, embora, com a poesia, só publique um livro quando descubro que há uma espécie de denominador comum ligando de forma orgânica os poemas. Mas não posso chamar-lhe um plano. A poesia escreve-se quando ela quer… SI: Quando tem de/quer escrever, mas não tem ideias, o que faz? MRP: Penso que nunca me aconteceu querer escrever assim, abstratamente. Quero escrever quando aparece uma frase na minha cabeça e, então, essa frase é o começo do que acabará por surgir. Umas vezes, corre bem, outras não, mas aprendo sempre com o que fica na gaveta. Se me pedem um texto e eu não tiver ideias, simplesmente não aceito. Mas a verdade é que quase todas as pessoas que escrevem raramente ficam sem ideias. Às vezes o problema é o oposto: terem tantas que nem sabem qual aproveitar… SI: Na sua opinião, qual o papel da Literatura na formação das pessoas? MRP: O papel dos livros é determinante na formação humana. O grande especialista em leitura Alberto Manguel escreveu um artigo extremamente interessante sobre o assunto no New York Times sobre o facto de os livros tornarem as pessoas mais empáticas e as despertarem para os problemas do Outro. Ele conta que foi ao ler na infância Coração - o romance de Edmondo de Amicis sobre um menino cuja mãe emigra e fica desgostosíssimo, querendo ir atrás dela – e ao identificar-se com o protagonista, que sentiu pela primeira vez o que era o sofrimento e despertou para a importância da solidariedade e da entreajuda. Além disso, os livros, até à recente invenção da Internet, eram a nossa única ponte com o passado, com outras geografias e, sobretudo, com outras mentalidades. Que teríamos nós sabido do resto do mundo sem os livros até ao aparecimento da televisão já no século XX? Mais importante ainda: quando vemos um filme, está tudo lá. Somos recetores, mas não participamos. A personagem é igual para o mundo todo. No entanto, se estivermos a ler, cada um de nós participa e põe uma cara distinta na personagem. O grau de trabalho mental é completamente diferente na leitura e muito mais rico. Os livros fazem-nos pensar e estamos a precisar de pensar para salvarmos o mundo das suas tragédias. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? MRP: Era bom se houvesse uma receita… mas, decididamente, temos de ler às crianças logo desde pequenas e contar-lhes histórias. E, depois fazer tudo para que leiam livros, reservar sempre um tempo para isso quotidianamente, em casa e na escola. Depois, cada criança encontrará os temas e autores de que mais gostar. O problema é que, nas escolas portuguesas, muitos professores não leem e, assim, como podem eles despertar nos alunos o gosto pela leitura? SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? MRP: Os clássicos – se sobreviveram durante séculos, isso garante que são universais e intemporais. E também dicionários, claro, porque as pessoas escrevem cada vez pior! SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? MRP: Geralmente, a referência mais importante é ser um autor que já conheço e de que gosto. No caso de não conhecer o autor, pode ser um prémio importante, uma recomendação de algum crítico ou amigo que eu considere, ou um resumo que me tenha despertado o interesse. SI: Qual é a para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? MRP: Uma boa capa para mim é a que não engana o leitor e não lhe dá gato por lebre. Pode até não ser uma obra de arte, mas se for coerente com o texto, ótimo. Hoje, as capas primam por ser todas do mesmo tipo e muito chamativas, trate o livro do que tratar. São, diria eu, pouco eloquentes e mais decorativas. Eu, por exemplo, gosto de capas simples e só com letras, mas percebo que o mercado atual é sobretudo de capas cheias de cor para chamar a atenção. SI: Quais são as características de um bom texto? MRP: Nada é assim tão linear. Não há uma definição para isso. Posso dizer que um mau texto pode sê-lo por numerosas razões: inverosimilhança, falta de consistência, falta de densidade das personagens, confusão cronológica, anacronismos, mau domínio da língua, falta de imaginação, plágio…. mas pode haver um livro que não padeça de nenhum destes problemas e que não seja, na mesma, um livro bom. Cada livro bom é bom à sua maneira e por razões distintas. SI: Qual a relação a entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? MRP: Não existe obra sem autor, mas a vida do autor não tem necessariamente de estar escarrapachada nos seus livros, claro. Depende muito do género literário que o escritor pratica também. Na poesia, por exemplo, é capaz de ser mais difícil ao autor ficar de fora, mas, mesmo aí, ele terá sempre de distanciar-se um pouco do texto para o poder trabalhar como alguém que está de fora. Digamos que um autor está sempre no que escreve, mas que os melhores escritores não deixam que as costuras se vejam. SI: Como define o seu estilo de escrita? MRP: Deixo isso para a crítica. Eles é que gostam de enfiar os livros em compartimentos específicos. Ocorre-me dizer apenas que a minha poesia tem normalmente uma componente romântica, mas não a incluo em escolas ou movimentos. Que sei eu? SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? MRP: Que devia desaparecer o mais depressa possível, até porque, com excecção de alunos e professores, toda a gente continua a escrever como muito bem quer e lhe apetece. O NÃO tem tantos erros tão grosseiros que ficaríamos aqui até amanhã a elencá-los… SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? MRP: Na verdade, devia perguntar isso a um escritor a tempo inteiro. Eu só publico um livro de tantos em tantos anos e tenho uma profissão que está ligada aos livros dos outros há trinta e tal anos. Um escritor profissional em Portugal tem dificuldade em viver do que escreve se não conseguir ser traduzido em muitas línguas ou se não escrever também roteiros, peças, crónicas para jornais, etc. O mercado é muito pequeno e é difícil sustentar alguém que ganhe apenas 10% do preço de cada livro vendido… SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros" escritores? MRP: Os escritores nunca morrerão por causa disso, mas, que estraga o mercado, lá isso estraga. Além, claro, de viciar leitores com pouca formação num género menor e isso contribuir para que nunca leiam um livro decente… SI: Que relação deve existir entre o Cinema e a Literatura? MRP: Não deve, pode. O facto de a Literatura ter constituído sempre um bom ponto de partida para filmes e séries é uma garantia de que o livro, como alguns vaticinaram, não morrerá tão cedo. Há excelentes guionistas que escrevem argumentos originais de grande qualidade, mas, é claro que há livros que, pelo seu cariz visual e cinematográfico, parece mesmo que estão a pedir um filme. No entanto, na maioria das vezes, a reacção do leitor é "gostei mais do livro". SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? MRP: Devem manter-se fiéis ao essencial, mas só ao essencial. Sendo linguagens completamente distintas, o que pode funcionar numa pode tornar-se uma grande chatice na outra. A descrição das expedições no deserto do protagonista de "O Doente Inglês" teria sido uma cena aborrecidíssima no filme se o realizador tivesse optado por mantê-la, já que a linguagem cinematográfica pede mais acção, mais planos, mais falas. Contudo, por vezes, as adaptações de livros extravasam muito para além do que deviam e afastam-se demasiado do livro que lhes deu origem. Há que manter, apesar de tudo, um certo equilíbrio entre as duas linguagens. SI: Quais as relações possíveis entre a Música e a Literatura? MRP: Pode escrever-se um excelente livro sobre um compositor, a poesia leva música dentro, as canções podem ter letras próximas do literário. Mas, como já escrevi um texto sobre a matéria há muitos anos, deixe-me citar-me: "A poesia e a música são, de todas as artes, as únicas que trabalham com abstracções: ao contrário da pintura, da arquitectura ou da escultura (para falar apenas das artes ditas clássicas ou simbólicas), que trabalham a matéria em estado bruto e dela fazem nascer a obra, a música e a poesia lidam com o puramente imaterial ¾ o som e as palavras ¾, sendo que ambas podem trabalhar com o som e as palavras ao mesmo tempo (caso da ópera ou da poesia trovadoresca, por exemplo). (3) Ambas combinam signos ou sons manipulando-os de forma a provocar no leitor ou no ouvinte uma reacção emocional: se uma troca sintáctica num verso pode imediatamente oferecer ao leitor um sentido inesperado, também na música é possível combinar sons para que, por exemplo num filme, o espectador seja avisado de um perigo iminente. (4) Tanto a música como a poesia podem ser lidas e ouvidas, o que não acontece com mais nenhuma arte. (5) Alguns dos poemas mais antigos encontrados até hoje (como certos fragmentos de Sappho) chamam-se, vejam lá, «canções». (5) Tanto a poesia como a música foram, durante séculos, transmitidas apenas pela oralidade. (6) Segundo alguns teóricos, a poesia ¾ nomeadamente a satírica ¾ esteve durante muito tempo associada à música, porque assim se acreditava que o público lhe prestaria mais atenção, público que já nessa altura devia adormecer facilmente com discursos monocórdicos. (7) Um poema pode construir-se inteiramente na cabeça antes de ser passado ao papel; uma composição musical também pode construir-se sem recurso a instrumentos: Beethoven, mesmo depois de ficar surdo, construía peças musicais inteirinhas dentro da sua cabeça." SI: O que a fascina na poesia? MRP: Como leitora, sinto que a poesia diz mais com menos. Como autora, o facto de um poema me tirar de dentro o que me faz mal. SI: Qual o personagem mais chato que já leste? MRP: A insuportável namorada italiana do protagonista de "Grand Hotel Europa", de Ilya Leonard Pfeiffer. Talvez haja outras, claro, mas esta, como foi de um livro lido recentemente, irritou-me mesmo e lembrei-a imediatamente. SI: Qual o poeta/escritor com o quem não vais à bola? MRP: Não creio que "ir à bola" seja a melhor expressão. Penso que há escritores que são bons, mas não são bem da nossa família. Nesse âmbito, diria por exemplo que António Ramos Rosa ou Luís Quintais não são poetas da minha família, enquanto Eugénio de Andrade e David Mourão-Ferreira são meus parentes próximos. Haverá escritores com quem "não vou à bola", mas como pessoas, não como criadores. E isso já são coisas pessoais… SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? MRP: Se alguém escreve um livro a pensar nesses prémios, não será então um verdadeiro escritor. Não acredito que os escritores dignos desse nome se sintam pressionados pelos prémios. Eles escrevem porque não podem deixar de escrever. É isso a vida deles. No entanto, é claro que ganhar um prémio importante afaga o ego, além de ser um reconhecimento por vezes mais do que justo e uma ajuda financeira normalmente bem-vinda. SI: Gostaria de ganhar algum prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? MRP: Nenhumas aspirações. Sou uma escritora bissexta. Na verdade, ser editora é que é o meu quotidiano e não há prémios para editores. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? MRP: Que leiam muito antes de se atreverem a escrever e que leiam ainda mais antes de se atreverem a publicar.
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AutorPedro Maia Histórico
Janeiro 2022
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