É poeta e ficcionista e autor dos livros de poesia "(DES)NU(DO)" (2016), "Itinerários" (2018) e "agora (depois)" (2019), bem como da coletânea de contos "Nunca estivemos no Kansas". Escreve a coluna "Alguma coisa em mim que eu não entendo" para a Revista "Vício Velho" e tem contos e poemas publicados em redações como Revista Brasileira (nº94) (da Academia Brasileira das Letras), Escamandro, Gueto, Ruído Manifesto, Mallarmargens, Germina, Revista Ponto (SESI-SP) e InfComunidade (Portugal). Com "Itinerários", vence o I Concurso Literários da Ed.UFPR. Vence também o Prémio Off Flip 2019 com o conto Tetris, bem como Prémio Cidade de Manaus 2020 com o inédito Cartografias. Este último livro também lhe valeu um lugar na final do Prémio Sesc 2017. Mantém os perfis @thassiof (Instagram) e @thassiogf (Twitter). É o oitavo convidado da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas” e tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela Literatura? Thássio Ferreira: Desde que fui alfabetizado que a literatura já me atraía, em suas múltiplas formas e conteúdos. Inclusive no Brasil é comum presentear as crianças alfabetizadas com livros, e um dos que mais me marcou, e que tenho até hoje, é todo em versos rimados. Acredito vir daí meu encantamento com a poesia. Quando conheci a obra de Manuel Bandeira, na pré-adolescência, impactado e identificando-me com o universo bandeiriano, comecei a escrever. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? TF: No momento mesmo da escrita creio que a maior inspiração seja o próprio ritmo da linguagem, uma certa eletricidade em construir algo a dizer que valha a pena ser dito de uma forma própria. Mas as inspirações podem ter infinitas origens. SI: Costuma planear um livro? TF: Meus livros publicados, todos de poemas, tiveram gêneses diferentes. O mais recente, chamado agora (depois), foi o mais planejado: surgiu da ideia de reunir poemas feitos durante e após uma relação amorosa, organizados em ordem cronológica inversa, de modo que a compreensão daquele afeto se desse a partir dos seus descaminhos, até sua origem . O próximo, a sair agora no começo de 2022, intitulado Nunca Estivemos no Kansas, será de contos, e teve um planejamento definido ao longo das reescritas, no sentido de escolher quais textos entrariam e em qual ordem, buscando intensificar as notas políticas do todo e o encadeamento e agrupamento das narrativas. SI: Quando têm que/querem escrever, mas não têm ideias, o que fazes? TF: Muitas vezes reviso textos já existentes, para aprimorá-los, ou recorro a anotações antigas, fragmentos, ideias guardadas que podem ser usadas num momento de escassez. Outras vezes simplesmente começar a rascunhar algo já ajuda a destravar o processo criativo. SI: Na sua opinião, qual o papel da Literatura na formação das pessoas? TF: Pode ser variado. Em especial, creio que pode contribuir para o exercício do inconformismo, a partir do estímulo à imaginação, e da empatia, permitindo que se trave contato com e se valorizem realidades diversas das nossas. Também há um papel muito relevante de enriquecer nossos modos de pensar a realidade, a partir do contato íntimo com a linguagem, com as formas diversas de organizar e expor o pensamento. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? TF: Creio que a partir de sua desmistificação. Tirando-a de certo pedestal a que foi alçada ao longo do tempo. Incentivando a leitura do que, num primeiro momento, mais interessar àquela pessoa, mesmo que não seja considerado de alto valor literário, mas que é uma porta de entrada. Vale notar também que segundo estudos de psicologia o grupo de amigos é a maior fonte de influência sobre nosso comportamento, então os que leem podem e devem incentivar seu círculo de amizades a partir desse lugar de afeto, de forma natural. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? TF: Não acredito em categorizações absolutas. O tipo de obra que não deve faltar numa biblioteca é o que interessar ao público daquela biblioteca. SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? TF: Cambiantes. Posso me atrair por conhecer o/a autor/a, pela capa, por uma resenha ou indicação de amigos, por ter folheado a obra e me interessado. SI: Qual é para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? TF: A capa não é fundamental ao livro, mas funciona como um cartão de visitas capaz de atrair mais leitores e até mesmo ampliar a experiência a partir do diálogo entre sua imagem única e o conteúdo mais extenso do miolo. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas"/”impressionistas" ou de capas mais gráficas e arrojadas? (Exemplos: capas de Lesley Pearse vs capas de Murakami) TF: Não tenho predileção específica. Acredito que a capa deve dialogar com a obra, mas assim como literaturas de variados tipos me atraem, também capas de variados estilos. SI: Quais são as características de um bom texto? TF: De novo, não existe resposta única. Textos podem ser bons conjugando características diversas. Particularmente, me inclino a textos mais limpos, sem palavras que de pronto meu olho identifica como desnecessárias à compreensão ou ao efeito estético, e que tragam uma linguagem menos denotativa, mais inusual, seja na construção de metáforas, na sintaxe ou em quaisquer outros elementos — tenho horror a clichê. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? TF: Depende de como cada uma é construída. Abstratamente, prefiro um estilo mais psicológico, porém há escritas nesse diapasão que redundam insuportáveis de chatas, enquanto outras mais prosaicas arrancam belezas acachapantes do cotidiano. SI: Qual a relação a entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? TF: Essa relação vai ser determinada pelo/a autor/a. Alguns escolhem destacar a própria persona como elemento de sua “ obra” num sentido mais amplo, o que nem mesmo é tão recente, vide Oscar Wilde. Outros preferem o caminho inverso, de quase apagamento de si em favor do texto. Não creio que exista uma hierarquia entre as duas posições, embora eu particularmente me interesse mais pelos textos que pelos escritores, e me canse o grau elevado da “cultura da celebridade” que vivemos atualmente. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? TF: De novo, cada autor/a vai estabelecer uma relação própria entre essas personas. O interessante é notar que não existem pessoas puras, no sentido de despidas de um caráter performático. Só somos nós mesmos, num sentido absoluto, quando estamos sozinhos. Toda interação humana é performática. SI: Como define o seu estilo de escrita? TF: Prefiro justamente não definir. SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? TF: Algumas mudanças me parecem prejudiciais por gerar confusão, como a retirada de alguns acentos e do trema, porém não tenho conhecimento suficiente do uso do português na comunidade lusófona para analisar o acordo como um todo. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros" escritores? TF: A ideia de verdadeira literatura/verdadeiros escritores encerra uma arrogância perigosa. Pessoas que se tornaram famosas por outros motivos podem se revelar boas produtoras de literatura, assim como ghost-writers podem fazer um trabalho interessante, a depender do tema e contexto, sem desmerecer outros que assinam livros com o próprio nome. SI: Que relação deve existir entre o Cinema e a Literatura? TF: Todas as formas artísticas se influenciam e enriquecem mutuamente. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? TF: Cada obra segue uma lógica própria, assim como cada linguagem artística possui suas especificidades. Logo, adaptações de uma obra para outro formato, ou releituras de uma obra anterior não precisam, a meu ver, ser fiéis ao original. Precisam é ser boas, dentro daquilo a que se propõem. SI: Quais as relações possíveis entre a Música e a Literatura? TF: De novo, todas as formas artísticas se influenciam e enriquecem mutuamente. Em especial, neste caso, é interessante notar como técnicas musicais podem ser aplicadas à literatura, especialmente à poesia, assim como certas obras literárias podem migrar de maneira mais completa, ou menos problemática, para a música. SI: O que te fascina na poesia? TF: O inusitado, o dizer de um jeito exótico à lógica puramente racional-comunicativa. SI: Já pensaste alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? TF: Na verdade estou constantemente exercitando diferentes estilos de escrita. SI: Se pudesses ser um livro qualquer já escrito, qual serias? TF: "Água Viva", de Clarice Lispector. SI: Se pudesses ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual serias? TF: Talvez Santiago, da novela "Pela Noite", de Caio Fernando Abreu. SI: Qual o personagem mais chato que já leste? TF: Difícil responder. Provavelmente, por ser tão chato, não terminei de ler e o esqueci. SI: Qual o poeta/escritor com quem não vais à bola? TF: Não me ocorre nenhum nome que valha a pena mencionar, inclusive porque, como pontuei acima, acredito que a leitura deve ser praticada respeitando-se os gostos diversos das pessoas, então se algum autor não me agrada, simplesmente não leio. Não entendo nenhuma obra como imprescindível. SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? TF: Prêmios têm a utilidade de revelar novos nomes ou chancelar obras ou escritores, o que é interessante tanto para o público quanto para nós que escrevemos, e muitas vezes temos dificuldade de dar visibilidade a nossas obras, ou mesmo termos uma validação externa de que estamos fazendo um bom trabalho. Financeiramente também há prêmios relevantes que ajudam escritores/as a se manter e produzir. O adequado dimensionamento de sua importância, não os tomando como legitimação absoluta ou como farol único, é tarefa tanto de cada um quanto de estruturas como imprensa, academia, livrarias e bibliotecas, etc ... SI: Gostaria de ganhar algum prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? TF: Quaisquer prêmios seriam bem vindos, mas seria especialmente gratificante receber algum dos prêmios dedicados à literatura em língua portuguesa, como o Jabuti, no Brasil, ou o Oceanos, que abrange toda a lusofonia. Porém minha aspiração maior é a de realizar boa literatura e que ela encontre leitores interessados e que a ela se conectem. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? TF: Escrevam, revisem, não tenham pudor ou dó de cortarem, mostrem seu trabalho a outros, para que o critiquem e enriqueçam, e estudem. Hoje em dia há diversos cursos e oficinas muito úteis para expandir nossa visão e nossos modos de escrita.
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Nascida em Lisboa a 21 de Setembro de 1959, é escritora, poetisa, letrista e editora. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (variante de Estudos Ingleses e Franceses), exerceu funções como professora durante cinco anos e é neste momento parte integrante do grupo editorial Leya. Estreia-se nas andanças literárias ao publicar no ano de 1993 o romance "Alguns homens, duas mulheres e eu", aventurando-se mais parte pela Poesia, Ficção, Crónicas e Literatura Juvenil. Recebeu alguns prémios, tais como o "Prémio Literário Fundação Inês de Castro", "Prémio Sebastião da Gama", etc. Como letrista, escreveu para artistas como Carlos do Carmo, Ana Moura, António Zambujo, etc. Mais recentemente, escreveu as letras das canções "Mano a Mano" (interpretada por Salvador Sobral) e "Visita de Estudo" (interpretada por António Zambujo). É a sétima convidada da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas” e tem a amabilidade de responder a 24 perguntas (excecionalmente e por pedido da própria) que inquietam qualquer artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela Literatura? Maria do Rosário Pedreira: Antes da Literatura, veio a leitura. Entusiasmei-me com as letras desde que as aprendi e, talvez por ser a mais nova de uma família grande e histriónica e raramente ter tempo de antena, acabei por me refugiar logo em criança no texto, lendo ou escrevendo. Comecei a ler bastante cedo (por imitação também, porque toda a família lia), mas a Literatura chegou sobretudo nos últimos anos do Ensino Secundário, pois, até então, as minhas escolhas não obedeciam a nenhum critério específico. Tão depressa lia livros aos quadradinhos como romances mais exigentes. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? MRP: Penso que, como a todos os escritores, nada inspira tanto como a própria vida. No meu caso, são sobretudo os momentos dramáticos que conduzem à escrita de poesia, momentos que vivi ou aos quais assisti. Mas é claro que, depois, há uma oficina consciente que já pouco tem que ver com a biografia. SI: Costuma planear um livro? MRP: Fi-lo apenas quando escrevia livros infanto-juvenis, nos quais contava uma história com princípio, meio e fim e não convinha que me perdesse. De resto, não faço grandes planos, embora, com a poesia, só publique um livro quando descubro que há uma espécie de denominador comum ligando de forma orgânica os poemas. Mas não posso chamar-lhe um plano. A poesia escreve-se quando ela quer… SI: Quando tem de/quer escrever, mas não tem ideias, o que faz? MRP: Penso que nunca me aconteceu querer escrever assim, abstratamente. Quero escrever quando aparece uma frase na minha cabeça e, então, essa frase é o começo do que acabará por surgir. Umas vezes, corre bem, outras não, mas aprendo sempre com o que fica na gaveta. Se me pedem um texto e eu não tiver ideias, simplesmente não aceito. Mas a verdade é que quase todas as pessoas que escrevem raramente ficam sem ideias. Às vezes o problema é o oposto: terem tantas que nem sabem qual aproveitar… SI: Na sua opinião, qual o papel da Literatura na formação das pessoas? MRP: O papel dos livros é determinante na formação humana. O grande especialista em leitura Alberto Manguel escreveu um artigo extremamente interessante sobre o assunto no New York Times sobre o facto de os livros tornarem as pessoas mais empáticas e as despertarem para os problemas do Outro. Ele conta que foi ao ler na infância Coração - o romance de Edmondo de Amicis sobre um menino cuja mãe emigra e fica desgostosíssimo, querendo ir atrás dela – e ao identificar-se com o protagonista, que sentiu pela primeira vez o que era o sofrimento e despertou para a importância da solidariedade e da entreajuda. Além disso, os livros, até à recente invenção da Internet, eram a nossa única ponte com o passado, com outras geografias e, sobretudo, com outras mentalidades. Que teríamos nós sabido do resto do mundo sem os livros até ao aparecimento da televisão já no século XX? Mais importante ainda: quando vemos um filme, está tudo lá. Somos recetores, mas não participamos. A personagem é igual para o mundo todo. No entanto, se estivermos a ler, cada um de nós participa e põe uma cara distinta na personagem. O grau de trabalho mental é completamente diferente na leitura e muito mais rico. Os livros fazem-nos pensar e estamos a precisar de pensar para salvarmos o mundo das suas tragédias. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? MRP: Era bom se houvesse uma receita… mas, decididamente, temos de ler às crianças logo desde pequenas e contar-lhes histórias. E, depois fazer tudo para que leiam livros, reservar sempre um tempo para isso quotidianamente, em casa e na escola. Depois, cada criança encontrará os temas e autores de que mais gostar. O problema é que, nas escolas portuguesas, muitos professores não leem e, assim, como podem eles despertar nos alunos o gosto pela leitura? SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? MRP: Os clássicos – se sobreviveram durante séculos, isso garante que são universais e intemporais. E também dicionários, claro, porque as pessoas escrevem cada vez pior! SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? MRP: Geralmente, a referência mais importante é ser um autor que já conheço e de que gosto. No caso de não conhecer o autor, pode ser um prémio importante, uma recomendação de algum crítico ou amigo que eu considere, ou um resumo que me tenha despertado o interesse. SI: Qual é a para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? MRP: Uma boa capa para mim é a que não engana o leitor e não lhe dá gato por lebre. Pode até não ser uma obra de arte, mas se for coerente com o texto, ótimo. Hoje, as capas primam por ser todas do mesmo tipo e muito chamativas, trate o livro do que tratar. São, diria eu, pouco eloquentes e mais decorativas. Eu, por exemplo, gosto de capas simples e só com letras, mas percebo que o mercado atual é sobretudo de capas cheias de cor para chamar a atenção. SI: Quais são as características de um bom texto? MRP: Nada é assim tão linear. Não há uma definição para isso. Posso dizer que um mau texto pode sê-lo por numerosas razões: inverosimilhança, falta de consistência, falta de densidade das personagens, confusão cronológica, anacronismos, mau domínio da língua, falta de imaginação, plágio…. mas pode haver um livro que não padeça de nenhum destes problemas e que não seja, na mesma, um livro bom. Cada livro bom é bom à sua maneira e por razões distintas. SI: Qual a relação a entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? MRP: Não existe obra sem autor, mas a vida do autor não tem necessariamente de estar escarrapachada nos seus livros, claro. Depende muito do género literário que o escritor pratica também. Na poesia, por exemplo, é capaz de ser mais difícil ao autor ficar de fora, mas, mesmo aí, ele terá sempre de distanciar-se um pouco do texto para o poder trabalhar como alguém que está de fora. Digamos que um autor está sempre no que escreve, mas que os melhores escritores não deixam que as costuras se vejam. SI: Como define o seu estilo de escrita? MRP: Deixo isso para a crítica. Eles é que gostam de enfiar os livros em compartimentos específicos. Ocorre-me dizer apenas que a minha poesia tem normalmente uma componente romântica, mas não a incluo em escolas ou movimentos. Que sei eu? SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? MRP: Que devia desaparecer o mais depressa possível, até porque, com excecção de alunos e professores, toda a gente continua a escrever como muito bem quer e lhe apetece. O NÃO tem tantos erros tão grosseiros que ficaríamos aqui até amanhã a elencá-los… SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? MRP: Na verdade, devia perguntar isso a um escritor a tempo inteiro. Eu só publico um livro de tantos em tantos anos e tenho uma profissão que está ligada aos livros dos outros há trinta e tal anos. Um escritor profissional em Portugal tem dificuldade em viver do que escreve se não conseguir ser traduzido em muitas línguas ou se não escrever também roteiros, peças, crónicas para jornais, etc. O mercado é muito pequeno e é difícil sustentar alguém que ganhe apenas 10% do preço de cada livro vendido… SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros" escritores? MRP: Os escritores nunca morrerão por causa disso, mas, que estraga o mercado, lá isso estraga. Além, claro, de viciar leitores com pouca formação num género menor e isso contribuir para que nunca leiam um livro decente… SI: Que relação deve existir entre o Cinema e a Literatura? MRP: Não deve, pode. O facto de a Literatura ter constituído sempre um bom ponto de partida para filmes e séries é uma garantia de que o livro, como alguns vaticinaram, não morrerá tão cedo. Há excelentes guionistas que escrevem argumentos originais de grande qualidade, mas, é claro que há livros que, pelo seu cariz visual e cinematográfico, parece mesmo que estão a pedir um filme. No entanto, na maioria das vezes, a reacção do leitor é "gostei mais do livro". SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? MRP: Devem manter-se fiéis ao essencial, mas só ao essencial. Sendo linguagens completamente distintas, o que pode funcionar numa pode tornar-se uma grande chatice na outra. A descrição das expedições no deserto do protagonista de "O Doente Inglês" teria sido uma cena aborrecidíssima no filme se o realizador tivesse optado por mantê-la, já que a linguagem cinematográfica pede mais acção, mais planos, mais falas. Contudo, por vezes, as adaptações de livros extravasam muito para além do que deviam e afastam-se demasiado do livro que lhes deu origem. Há que manter, apesar de tudo, um certo equilíbrio entre as duas linguagens. SI: Quais as relações possíveis entre a Música e a Literatura? MRP: Pode escrever-se um excelente livro sobre um compositor, a poesia leva música dentro, as canções podem ter letras próximas do literário. Mas, como já escrevi um texto sobre a matéria há muitos anos, deixe-me citar-me: "A poesia e a música são, de todas as artes, as únicas que trabalham com abstracções: ao contrário da pintura, da arquitectura ou da escultura (para falar apenas das artes ditas clássicas ou simbólicas), que trabalham a matéria em estado bruto e dela fazem nascer a obra, a música e a poesia lidam com o puramente imaterial ¾ o som e as palavras ¾, sendo que ambas podem trabalhar com o som e as palavras ao mesmo tempo (caso da ópera ou da poesia trovadoresca, por exemplo). (3) Ambas combinam signos ou sons manipulando-os de forma a provocar no leitor ou no ouvinte uma reacção emocional: se uma troca sintáctica num verso pode imediatamente oferecer ao leitor um sentido inesperado, também na música é possível combinar sons para que, por exemplo num filme, o espectador seja avisado de um perigo iminente. (4) Tanto a música como a poesia podem ser lidas e ouvidas, o que não acontece com mais nenhuma arte. (5) Alguns dos poemas mais antigos encontrados até hoje (como certos fragmentos de Sappho) chamam-se, vejam lá, «canções». (5) Tanto a poesia como a música foram, durante séculos, transmitidas apenas pela oralidade. (6) Segundo alguns teóricos, a poesia ¾ nomeadamente a satírica ¾ esteve durante muito tempo associada à música, porque assim se acreditava que o público lhe prestaria mais atenção, público que já nessa altura devia adormecer facilmente com discursos monocórdicos. (7) Um poema pode construir-se inteiramente na cabeça antes de ser passado ao papel; uma composição musical também pode construir-se sem recurso a instrumentos: Beethoven, mesmo depois de ficar surdo, construía peças musicais inteirinhas dentro da sua cabeça." SI: O que a fascina na poesia? MRP: Como leitora, sinto que a poesia diz mais com menos. Como autora, o facto de um poema me tirar de dentro o que me faz mal. SI: Qual o personagem mais chato que já leste? MRP: A insuportável namorada italiana do protagonista de "Grand Hotel Europa", de Ilya Leonard Pfeiffer. Talvez haja outras, claro, mas esta, como foi de um livro lido recentemente, irritou-me mesmo e lembrei-a imediatamente. SI: Qual o poeta/escritor com o quem não vais à bola? MRP: Não creio que "ir à bola" seja a melhor expressão. Penso que há escritores que são bons, mas não são bem da nossa família. Nesse âmbito, diria por exemplo que António Ramos Rosa ou Luís Quintais não são poetas da minha família, enquanto Eugénio de Andrade e David Mourão-Ferreira são meus parentes próximos. Haverá escritores com quem "não vou à bola", mas como pessoas, não como criadores. E isso já são coisas pessoais… SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? MRP: Se alguém escreve um livro a pensar nesses prémios, não será então um verdadeiro escritor. Não acredito que os escritores dignos desse nome se sintam pressionados pelos prémios. Eles escrevem porque não podem deixar de escrever. É isso a vida deles. No entanto, é claro que ganhar um prémio importante afaga o ego, além de ser um reconhecimento por vezes mais do que justo e uma ajuda financeira normalmente bem-vinda. SI: Gostaria de ganhar algum prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? MRP: Nenhumas aspirações. Sou uma escritora bissexta. Na verdade, ser editora é que é o meu quotidiano e não há prémios para editores. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? MRP: Que leiam muito antes de se atreverem a escrever e que leiam ainda mais antes de se atreverem a publicar. Nasceu no Barreiro a 8 de Maio de 1970 e vive atualmente em Alcochete. Iniciou a sua atividade literária em 2007, vindo a publicar um livro de poesia por ano, até 2011. Em 2012, a sua carreira literária toma outro rumo ao descobrir e percorrer o Caminho de Santiago. Essa paixão reflete-se no primeiro livro de prosa que publica, em 2013, "Entre o Silêncio das Pedras", que já conheceu 3 edições, tendo também tido uma edição brasileira em 2015 e desde 2021 lançado na Polónia. Depois deste romance, publicou "Diário de Xavier Lopes", em coautoria o livro "Olhares de um peregrino de Santiago" e, em 2016, "O Peregrino", romance reeditado pela Ego em 2020. Em 2018 publicou o seu primeiro thriller, intitulado "A Sombra da Verdade". Em 2020, publica o romance “Porque Caminhas?” e, já em 2021, é reeditado o livro do diário com o título “O Teu Caminho”. A sua dedicação ao Caminho de Santiago já lhe valeu diversas homenagens na Galiza e em Portugal, onde é unanimemente conhecido como o maior autor de ficção sobre este tema. É o sexto convidado da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas” e tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela literatura? Luís Ferreira: Desde pequeno que gosto de ler. Recordo-me de alguns clássicos e de outros livros mais de aventuras, que preenchiam a minha imaginação, envolvendo-me na história, fazendo-me sentir como se fizesse parte do enredo. Todos eles de certa forma alimentaram a minha infância e juventude e não descansava até os dar como completamente lidos, devorava-os. Com isso também fui alimentando o desejo de escrever certas coisas, alguns textos, alguns poemas, lembro-me de até de ter criado um jornal e até mesmo livro com diversas folhas cozidas e fingir que era um escritor. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? LF: Depende muito do momento e do que estou a escrever ou a pensar em escrever. Contudo, estando as minhas obras ligadas ao Caminho de Santiago, penso que existe, sem dúvida, aquele momento em que estou no Caminho propriamente dito e tudo flui melhor, tenho tempo para pensar, colocar as ideias em ordem e até encontrar algumas fontes de inspiração para construir futuros livros. Dizer com isto, que a melhor fonte de inspiração surge sempre quando ando com a mochila às costas e quando estou no meio que cria cenários para as minhas histórias e com tudo isso basta deixar-me envolver pela rota. Depois também pode surgir inspiração daquela conversa ocasional que origina um clique, ou aquela pessoa que passa por nós e tem características muito próprias, aquela paisagem que contagia, aquele momento de silêncio que vale ouro. SI: Costuma planear um livro? LF: Tenho esse cuidado. Gosto de planear, organizar, de estabelecer um pequeno guião, mas ao longo do processo criativo sou, direi, um pouco indisciplinado e fujo muitas vezes ao estabelecido, há sempre novas ideias que surgem. Por isso e conhecendo-me, gosto de planear antes, de forma a orientar-me e não me perder em demasia. SI: Quando têm que/querem escrever, mas não têm ideias, o que fazes? LF: Não forço, o melhor é mesmo deixar para uma outra altura, aproveitar para descansar, para reler o que está feito (às vezes serve de fio condutor para o regresso das ideias). No fundo, procuro fazer outra coisa e esperar por um melhor momento, que seja mais produtivo. Não gosto de estar preso numa folha branca, para mim isso é assustador, mas estar a forçar é bem pior, nunca origina boas ideias e até desgasta. SI: Na sua opinião, qual o papel da literatura na formação das pessoas? LF: Existem vários motivos que evidenciam a importância da leitura na formação das pessoas, apesar de na minha opinião, serem muito desvalorizados e talvez por isso, cada vez mais, se ler menos. Com isto quero dizer, que desvalorizamos o papel da literatura nas nossas vidas. A cultura é algo que sinto que tem tendência a se degradar, exatamente pela perda de informação e de conhecimento que os livros possibilitam, e acabamos por ficar muito fechados e crentes naquilo que outros nos querem fazer crer. Existem bastantes benefícios na literatura, que contribuem para o desenvolvimento intelectual das pessoas, em resumo direi que através da literatura falamos e escrevemos melhor, aumentamos o nosso repertório de vocábulos, melhora sem dúvida o nosso poder de argumentação, a nossa imaginação e cria uma melhor capacidade de reflexão. Muitos dirão que não, lá está, porque não leem. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? LF: Algo que deveria mesmo ser seriamente refletido para alterar o paradigma que mencionei na pergunta anterior. Há um grande trabalho, na minha opinião, que deve ser feito por diversos setores. A começar nas famílias, onde deveria haver tempo para recuperar alguns hábitos, como contar uma história a um menor, como dedicar mais tempo à criação de hábitos de leitura em família (não esquecer muitas vezes que o exemplo vem dos pais) ou como oferecer mais livros. Depois os meios de comunicação social como a televisão, possuem uma grande tarefa e que muito poderia auxiliar neste campo, ou seja, apresentar grelhas de programação onde existissem mais programas culturais, mais programas virados para os livros, que pudessem passar em horários nobres, em canais com mais visibilidade (os principais), substituindo os Big Brothers desta vida, que nada acrescentam. Outro setor é a escola, atualmente a visão que tenho é que os alunos não sentem as obras que leem, não ganham o gosto pelas mesmas e encaram ler um livro como mera obrigação. Seria necessário encontrar um outro caminho, outros métodos de passar a mensagem, de forma a alimentar a consciência dos jovens e fazer despertar a vontade para uma leitura natural, com gosto. Esta pergunta é daquelas que não se esgota na resposta e onde acredito que existe um vasto campo para explorar, para refletir e urge fazer essa reflexão o quanto antes de forma a recuperar esse gosto. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? LF: Todas os livros são importantes numa biblioteca e quanto mais áreas de conhecimento abrangerem, mais irão satisfazer o(s) leitor(es), até porque somos todos diferentes. Pelo que e respondendo à pergunta diria que todo o tipo de obras deveria constar numa biblioteca. No entanto, pelo sei, no campo da literatura propriamente dita, começa a existir alguma carência, criada por diversos motivos, por exemplo os livros mais técnicos começam a substituir os da área das letras, muitas vezes tem a ver com os investimentos e escolhas das próprias bibliotecas. No entanto, isso é para uma outra reflexão que deveria, na minha opinião, também ser feita. SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? LF: Acima de tudo o tema do livro (o que procuro ler no momento, ou com aquele assunto que mais me identifico), o autor (se conheço ou não), a sinopse (se responde áquilo que procuro) e uma boa capa (que não sendo o mais importante, às vezes pode captar a minha atenção e fazer a diferença). SI: Qual é a para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? LF: De certa forma acho que foquei isso na resposta anterior, na minha perspetiva uma boa capa acredito que chame a atenção do leitor, direi mesmo que pode ser aquele cartão de visita ou primeira impressão. O aspeto visual é sempre algo que chama a atenção do consumidor, por isso há bons livros, que devido a não terem uma boa capa acabam por perder e serem desvalorizados e o inverso também, onde a capa é melhor que o conteúdo. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas"/”impressionistas" ou de capas mais gráficas e arrojadas? (Exemplos: capas de Lesley Pearse vs capas de Murakami) LF: Depende muito do livro. Considero as capas dos livros de Murakami (abro aqui um parênteses para dizer que ainda não li nada dele), como refere a pergunta são arrojadas, simples, acabam por isso por se tornarem desafiantes, direi até mesmo criam um certo mistério que envolve a obra e com isso tornam-se atrativas. As capas mais românticas acabam, face à sua conceção mais gráfica, fotográfica, por chamar mais a atenção do leitor, também são elaboradas tendo por base um grande trabalho de marketing respondendo assim aos desejos do mercado ou da sociedade e com isso conquistam. SI: Quais são as características de um bom texto? LF: Um bom texto acima de tudo deve prender o leitor, deve saber conduzir e passar claramente a mensagem, sem muitos rodeios e ser fluente. Deve conseguir transportar o leitor, de o fazer viajar através das palavras. Depois num campo mais técnico, direi que não deve ter erros ortográficos, nem erros de coesão e de pontuação. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? LF: Sou mais adepto da escrita mais quotidiana, identifico-me mais. Direi que prefiro ler algo que se aproxima mais da realidade, onde sou capaz de ser mais facilmente transportado para o enredo. SI: Qual a relação a entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? LF: Direi que acima de tudo tem muito a ver com as próprias caraterísticas do autor e com aquilo que ele pretende passar na obra. Sou capaz de enumerar exemplos de autores para cada um destas situações. Na minha opinião acho que o ideal seria existir um pouco de ambos, nem tão afastado, nem tão próximo. Eu, pessoalmente, e contra mim falo, também face ao que escrevo, sou um autor muito próximo, até em demasia, às vezes. Mas é esta diversidade entre autores, que provavelmente torna interessante este mundo da escrita, por existirem diversas formas de estar e fazer, sendo que o mais importante é cada um se sentir bem. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? LF: Numa situação normal, penso que o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional devem ser a mesma pessoa. Para mim faz todo o sentido que assim seja, assumir a sua própria natureza e as suas próprias ideias. No entanto, cabe a cada um estabelecer as regras da sua forma de estar e ser, por isso aceito, que existam casos em que o autor-entidade ficcional por vezes predomine. Essa decisão de estabelecer uma personalidade diferente pode passar por uma espécie de defesa pessoal onde não se queira mostrar o seu eu. Podem existir até diversas razões para isso, por exemplo a existência de alguns receios quanto a possíveis retaliações muito derivadas de comportamentos de um certo meio social onde o autor esteja integrado. Mas como referi, cabe a cada um decidir. SI: Como define o seu estilo de escrita? LF: Confesso que continuo a procurar o meu estilo de escrita, comecei por poesia, fui para a prosa e mesmo aí, já escrevi em estilos diferentes. É verdade que nos últimos anos o “Caminho de Santiago” tem sido o tema principal da minha escrita, mas ainda não consegui estabelecer-me. Neste momento começo a concentrar-me na escrita de viagens. SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? LF: Inicialmente fui contra, atualmente e passado todos estes anos questiono-me se fará sentido pôr isso em causa e o Novo Acordo é algo que já me habituei a conviver. Temos que ver que durante todo este tempo os livros começaram a ser publicados com a nova grafia (sendo que ainda há naturalmente exceções), o AO é usado na generalidade da Comunicação Social, nas grandes empresas e organismos, na generalidade dos documentos legais, para não falar dos manuais escolares e no próprio ensino são muitas as crianças que não conhecem outra forma de escrever, por isso acho não justificaria um retrocesso. Não podemos esquecer que a língua portuguesa sofreu muitas reformas ao longo dos tempos, esta portanto é mais uma (polémica como a maioria de todas as mudanças). Claro que isto não inviabilizaria uma reflexão séria sobre a questão, algo que sempre faltou ao longo deste processo e quem sabe, promover ainda alguns ajustes que sejam necessários. SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? LF: Direi que ser escritor em Portugal é muito difícil mesmo. Para mim, como autor é até mesmo uma loucura, onde apenas a teimosia leva a tentar remar contra a maré, sendo que há várias razões para isso. Por um lado, uma questão do mercado, com a grande invasão de autores estrangeiros, em que a responsabilidade vai por inteiro para as nossas livrarias. Depois, como já foi referido noutra pergunta, a perda de hábitos de leitura por grande parte da população e por fim, seja em resultado de fortes campanhas de marketing (construção de Tops por exemplo), seja por determinada escrita responder a um vazio e necessidade de grande parte das pessoas (a chamada escrita cor-de-rosa), emergem determinados escritos, que são sobrevalorizados levando a que os restantes não tenham qualquer espaço no mercado. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros” escritores? LF: Conforme já referi, o marketing tem muita influência no atual mercado livreiro. Naturalmente quanto mais famosa for a pessoa, mais poderoso e agressivo se torna esse aparelho. É também verdade e do conhecimento generalizado, que muitos pagam a ghost-writers para escrever e com o suporte das editoras montam-se Tops de vendas e tudo isto leva a que muitos dos livros dos “verdadeiros” autores sejam ignorados, esquecidos e até mesmo percam espaço nas próprias livrarias, o que é grave. Não podemos esquecer que são os leitores que acabam por fazer as suas escolhas, em consciência ou influenciados e que acabam por optar ao comprar certos livros em detrimento de outros e que determinam o caminho da literatura em Portugal. Acredito que há espaço ou deveria haver espaço para todos, mas os pratos da balança estão desequilibrados, se existe capacidade de sobrevivência para alguns autores remeto a decisão final para os leitores. SI: Que relação deve existir entre o cinema e a literatura? LF: A relação entre o cinema e a literatura nem sempre acontece da melhor maneira, pois por vezes há alguma distorção das obras literárias na sua adaptação para o cinema, e tudo o que é demais acaba por estragar, mas também temos bons filmes com boas adaptações, pelo que defendo que deva existir uma relação de proximidade entre as duas artes. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? LF: Conforme referi anteriormente, às vezes existe uma distorção de tal forma, que nem é bom para o livro, nem para o filme. Aceito a liberdade do realizador, mas com o devido cuidado para não prejudicar a obra original. Em resumo, gosto e aprecio mais quando se consegue ter o melhor dos dois mundos, conseguindo o seu espaço criativo na película e sendo fiel ao livro em simultâneo. SI: Quais as relações possíveis entre a música e a literatura? LF: A relação entre a música e a literatura é muito próxima, basta ver que em 2016 Bob Dylan venceu o prémio Nobel da Literatura, que de acordo a secretária-geral da Academia Sueca por “ter criado novas expressões poéticas no âmbito da música norte-americana”. A poesia é por isso o grande exemplo, pois muitos foram e são os autores que escrevem letras para fados e canções. SI: O que te fascina na poesia? LF: O que me fascina na poesia é que apesar de serem palavras que constroem a poesia, estas conseguem significar mais do que a sua verdadeira expressão. Direi que a poesia está para além daquilo que o escritor/poeta tenta transmitir, pois cada leitor consegue “sentir” essas palavras de forma diferente, porque a poesia consegue preencher cada ser e “abraçar” o coração de cada um de forma diferente, para mim, provavelmente o estilo com maior riqueza. SI: Já pensaste alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? LF: Conforme referi anteriormente, ainda estou à procura do meu estilo, sendo que penso nisso com alguma frequência, nomeadamente após a edição de cada livro. Já tentei o “género policial”, a poesia, o romance, o conto e até já fui convidado para escrever para o teatro (reconheço ai as minhas fragilidades) e agora ando a caminhar no sentido da escrita de viagens. SI: Se pudesses ser um livro qualquer já escrito, qual serias? LF: Nunca pensei sobre este assunto, mas agora, assim de repente, escolho o “Velho e o Mar” de Hemingway sempre foi um dos meus livros preferidos. SI: Se pudesses ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual serias? LF: Atualmente sinto-me como um “Dom Quixote de La Mancha”. SI: Qual o personagem mais chato que já leste? LF: Que me recorde, não tenho agora presente nenhuma personagem que possa classificar como tendo sido chato. SI: Qual o poeta/escritor com quem não vais à bola? LF: Não quero ser incorreto com ninguém, por respeito aos próprios, guardo para mim a resposta. SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? LF: Considero discutível, por um lado ganhar um grande prémio não é sinónimo que não existam livros e autores melhores, mas por outro lado quem ganha um prémio conquista mais notoriedade e com isso consegue projetar para outra dimensão a sua carreira. Todos sabemos que existem autores, que até à data do recebimento dos prémios eram desconhecidos para a grande parte do público e que após ganharem, passam a ser muito procurados nas livrarias, particularmente os que recebem o Prémio Nobel da Literatura. Naturalmente essa situação também traz todo um mediatismo associado e pode criar alguma pressão sobre os escritores, mas cada um depois saberá a melhor forma de lidar com essa situação. SI: Gostaria de ganhar um prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? LF: Não penso nisso sequer e não tenho aspirações nesse plano, apenas limito-me a escrever as minhas histórias, os meus livros. Conheço o que faço e para mim o melhor prémio é sempre o reconhecimento do meu trabalho e dos livros que escrevo pelos meus leitores. Se existir um leitor que o valorize já me sinto satisfeito, é para eles (leitores) que no fundo destino as minhas palavras. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? LF: O conselho que posso dar é que nunca desistam e acima de tudo que não tenham medo de dar a conhecer o vosso trabalho. O caminho é feito de pequenos passos e é fora do “armário” que o podemos percorrer, sendo que não é fácil como já referi, mas também se fosse não tinha piada. Nascido em Barcelos em 2001, João Miranda é poeta e, ao mesmo tempo, cantor-compositor e pianista com obra musical já publicada. É membro do “Sarcasmos Irónicos” desde 2019 e frequenta neste momento a Licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Desde cedo ligado à música, conta neste momento com o lançamento de alguns singles, de um álbum e de um EP. Estreou-se em 2020 com o single “Mamã, Eu Amo-te!”, seguindo-se o single “Happy New Year” e o álbum “Agnórise”. Em 2021, lança os singles “With You” e “A Vida de Poeta” e lança o EP “O Amor”. Para os mais curiosos que queiram conhecer esta obra mencionada, poderão clicar neste link. É o quinto convidado da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas”, integrando também o leque de membros do Sarcasmos que já foram entrevistados para esta rubrica. Tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. É o primeiro a responder à nossa versão da rubrica dirigida aos músicos. Agradecemos a disponibilidade e amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando ganhou interesse pela música? João Miranda: A música sempre fez parte da minha vida, desde os 3 anos, quando comecei a tocar piano. O interesse em si não veio logo ao início, ganhei com os anos de prática e ensino musical. SI: Quais as suas inspirações na música? JM: Inspiro-me muito no Pop. Muita gente considera o Pop vazio e sem conteúdo. Eu não podia discordar mais dessa ideia. Além disso, gosto de me inspirar nas grandes obras-primas da música erudita. SI: Qual o tipo de música que mais ouve e que o deixa mais entusiasmado? JM: Em termos de entusiasmo pelo papel que pode vir a ter no futuro, acho que o Pop e todas as suas variantes me deixam bastante ansioso. Já em termos do entusiasmo puramente musical, acho que, aí, a música erudita (especialmente a ópera) continua a ter um papel fundamental na minha vida. SI: Qual o(s) músico(s) que mais o inspira? JM: Inspiro-me pela arte de todos os artistas. Foi a conclusão que cheguei recentemente. SI: O que considera mais importante na música? JM: Para mim, a letra deve desempenhar um papel fundamental. Gosto de fazer músicas cujas letras transmitem uma mensagem, seja ela do que for, e gosto sempre de ouvir outras músicas com mensagens com as quais me identifico. SI: Costuma “planear” um original ou ele sai naturalmente? JM: Depende do meu estado de espírito, sempre. Há momentos em que a música sai naturalmente, outros que tenho de puxar bastante pela música. SI: Quando precisa de compor, mas não tem ideias, o que faz? JM: Não componho. Eu acho, que, na música e na arte, tudo o que tem de ser fabricado deve ser evitado. Se a música não me sai naturalmente, significa que não tem de sair no momento. Eu sou daquele tipo de pessoas que defende, que para escreveres deves estar ou a sofrer, ou muito feliz. SI: Na sua opinião, qual o papel da Música na formação das pessoas? JM: Muitíssimo grande. Se todos os estudantes do ensino básico tivessem acesso a alguma formação musical (sem contar com as brincadeiras com as flautas no 5º e 6º ano), acesso facilitado a concertos, a óperas, a gigs de músicas alternativas, etc… sairiam do ensino básico mais maduros e completos do que saem atualmente. SI: Como devemos despertar o gosto pela música nas pessoas? JM: Eu acho que todos ouvem música, ela está em todo o lado. Devemos é ensinar as pessoas, os governos e as instituições, a darem mais atenção. Mas isso já é um problema global às artes. SI: Que tipo de obras musicais não devem faltar numa playlist? JM: Há obras que devem ser universais. A La Traviata e uma das óperas de Mozart tinham de estar nessa playlist, uma sinfonia de Beethoven, um noturno de Chopin, um coral de Bach, o Requiem de Mozart e uma Lied de Schubert. Acho que se todos ouvissem esta playlist, o mundo seria um sítio melhor. SI: Qual é, para si, a importância de uma boa capa num álbum? Acha que uma boa capa atrai leitores ou acha que estraga o álbum? JM: A importância de uma capa é enorme. Os livros têm um pequeno resumo da história, que permite que os leitores tomem a decisão se vão comprar ou não. Nos álbuns, o resumo é a capa. É a capa que tem de cativar o “leitor” e é a capa que tem de fazer entender ao “leitor” que tipo de álbum é aquele que vai comprar. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas” /impressionistas” ou de capas mais gráficas ou arrojadas? JM: Sou uma pessoa arrojada, por isso, a mim chama-me mais à atenção as capas arrojadas. Gosto daquelas capas que me fazem parar para observar um álbum numa montra com mais 100 expostos. SI: Quais as características de uma boa canção? JM: Emoção, sempre. SI: Prefere canções mais pesadas ou mais ligeiras? JM: Gosto das duas, depende sempre do momento em que me aparecem. SI: Qual a sua maior dificuldade na música? JM: Passá-la a um público ou fazer crescer esse público. Eu apercebi-me que a minha música era demasiado específica, as pessoas não gostam de especificidade. Elas gostam de serem reconhecidas nas letras. SI: Qual é a importância dos agentes numa carreira musical? E dos concursos televisivos relacionados com a música (por exemplo, The Voice)? JM: Ambos são de grande importância, na minha opinião. Eu, enquanto músico independente tenho de criar e construir todos os projetos do início ao fim. Se tivesse uma equipa a ajudar-me no processo, seja em termos de trabalho intelectual e de mão de obra ou financeiros, seria uma grande ajuda. No entanto, ambos restringem a admissão de pessoas neste mundo fantástico da indústria musical por, parâmetros decididos por um grupo de 5 ou 6 pessoas, nisso já não consigo encontrar grandes qualidades. Tudo tem o seu lado bom e o seu lado mau. SI: Qual o género musical terá mais peso na sociedade no futuro? JM: Espero que seja o Pop e todas as suas variantes. Também espero que a música erudita venha a desempenhar um papel cada vez mais fundamental na sociedade do futuro. SI: Qual é, na sua opinião, o instrumento mais difícil de aprender/tocar? JM: São todos, porque todos exigem no mínimo duas horas de treino diárias. Toda a gente é capaz de tocar qualquer instrumento sem grandes dificuldades. Agora, até alcançar-se o domínio mínimo do mínimo, falamos em 10 anos, 15 anos. SI: Quais são os artistas que mais gostaria de partilhar o palco? JM: Neste momento, em Portugal, gostava de cantar com a Cláudia Pascoal ou com a Ana Moura. SI: O que mais lhe atrai como músico? JM: A incerteza de onde a música nos leva. Quando estamos a escrever de forma natural, a música pode-nos levar para lados inimagináveis, o mesmo acontece quando estamos a atuar: emoções vêm ao de cima de forma inexplicável, temos de conter choros, memórias aparecem e desaparecem. É muito bonito! SI: Quais as relações possíveis entre a Música e outras artes como a Literatura e o Cinema? JM: A Música está em todo o lado. Tem uma relação recíproca com a literatura, é essencial nas bases do cinema, está presente no Teatro e nas outras artes cénicas. Mas gosto de pensar na relação Literatura-Música como uma forte relação de carinho. SI: O que o fascina na Música? JM: A emoção. Sou uma pessoa de emoções. SI: Já pensou em tocar/compor noutro estilo? Se sim, qual? JM: Falando em estilos modernos, tento variar bastante, não me prendo apenas num som. Já com os estilos eruditos, nunca me atreveria a tentar. É algo demasiado perfeito. SI: Se pudesse ser uma canção/composição já criada, qual seria? JM: Gostava de ter escrito qualquer música dos Queen ou, então, a “November Rain” dos Guns n' Roses. SI: Se pudesse ser um artista/compositor qualquer, qual seria? JM: Adorava ter um bocado da maluquice da Cláudia Pascoal em mim! SI: Qual a canção/composição mais chata que já ouviu? JM: Não sei citar uma em específico, mas todas as músicas que usem palavras depreciativas sobre as mulheres ou cantem sobre o encanto da violência, perdem-me. Estou a lembrar-me de uma, agora, que fez polémica há uns 2 anos: BFF, do Valete. SI: Qual o artista/compositor com quem “não vai à bola”? JM: O Agir. Penso que o estilo de música dele retrata algo muito diferente daquilo que ele é. Normalmente, tendo a fugir do tipo de pessoas que não se despe na arte que faz. SI: Qual a importância dos grandes prémios? JM: Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um artista/ compositor através de um mediatismo pouco saudável? Gostaria de ganhar algum prémio em especial? Eu ainda vejo qualidades nas grandes premiações. Na minha cabeça, faz sentido existir algum tipo de pressão sobre qualquer artista, para forçar a criação de trabalhos sempre melhores. Quem não quiser esse tipo de pressões, pode sempre não submeter os seus trabalhos. Todos os músicos sonham com o Grammy, eu também, mas, num futuro próximo, um prémio Play já seria uma grande vitória. SI: Quais as suas aspirações? JM: Ser reconhecido naquilo que trabalho. Seja em que área for. Como sempre me disse a minha avó: “Ser um bom profissional”. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos artistas/compositores que estão no “armário”? JM: Não tenham medo de partilhar com o mundo as vossas criações. Arranjem amigos que vos ajudem a tornar os vossos sonhos realidade, cresçam juntos, ajudem-se mutuamente. Foi assim que comecei, com o Tiago Marques e com o Diogo Silva (que formam o duo de Lo-fi Lau Slater), éramos e ainda somos 3 “putos” num estúdio pequeno cheio de grandes ambições e grandes sonhos. Algo que se está a perder muito é a ideia de uma comunidade de músicos que se apoiam mutuamente, por isso, o meu conselho também vai para os laços de apoio mútuo com outros músicos e artistas…são fundamentais. Acima de tudo, não tenhas medo de tentar e, se gostares, não tenhas medo de continuar a tentar. “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” - já o dizia Fernando Pessoa. [PT] Nascida no Porto em 1997, Catarina Figueiredo é uma poetisa à procura do seu próprio lugar na Literatura. Licenciada em Línguas e Literaturas Europeias pela Universidade do Minho, deseja tornar-se professora e ensinar às crianças a língua inglesa. Apaixonou-se desde cedo pelas histórias e foi através dos livros que, durante a adolescência, começou a escrever. Em 2021, cria o “Pensamentos de uma Alma Errante”(traduzido do nome original), uma página de Instagram onde publica seus poemas em inglês. Deseja vir a publicar um livro um dia. Tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer escritor e artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e a amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Quem quiser ler os poemas da Catarina, pode carregar neste link. (Como a nossa entrevistada escreve em inglês, esta entrevista terá uma versão portuguesa e uma versão em inglês. Se és estrangeiro ou não tens apenas grande fluência em português, avança a versão portuguesa à frente e lê a versão em inglês). [EN] Born in Oporto in 1997, Catarina Figueiredo is a female poet who’s searching for her own place in Literature. Graduated in European Languages and Literatures by the University of Minho, she aspires to become a teacher and give kids lessons of English language. Since early that she fell I love with tales and it was through books that she started writing poetry during her teenagerhood. In 2021, she created “Thoughts of a Wandering Soul”, an Instagram’s page where she posts her poems (written in English). She desires to publish a book someday. She’s kind enough to answer 30 questions that disquiets every writer and artist and that, along this rubric, will be questioned to several writers and artists. We thank our guest for being available and kind enough to answer such disquieting questions. Those who are interested in reading Catarina's poems can do it through this link. (Due to the fact that our guest writes in English, this interview will have a Portuguese version and an English version. If you’re foreign or if you just don’t have enough fluency in Portuguese language, just skip the Portuguese version and keep scrolling until you reach the English translation.) [PT] Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela literatura? Catarina Figueiredo: Quando crianças, nosso primeiro encontro com a Literatura começa com aquelas páginas coloridas extra cheias de desenhos e com muito pouco texto. Não fui exceção no que toca a essa introdução e acabei viciada nos clássicos contos de fadas. Sempre andei com a cabeça nas nuvens, portanto, quando descobri que podia levar comigo portais que levam para diferentes (e frequentemente melhores) mundos, abracei alegremente a oportunidade. Os livros ganharam um lugar particularmente especial quando comecei a adoecer durante os tempos de liceu. Li muita ficção jovem-adulta que me ajudou a lidar com a minha mentalidade definhante. Foi também nessa altura que comecei a escrever poesia. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? CF: Quando estou à procura de inspiração, acabo por ler obras góticas e românticas e por ouvir músicas dos mesmos géneros. SI: Costuma planear um livro? CF: Nunca publiquei um livro. Contudo, estou a tentar escrever um neste momento. Não sinto uma necessidade tão forte de estruturação lógica e extenuante. Meu conceito consiste em tentar escrever um poema por dia durante, pelo menos, um ano sem ser muito crítica em relação ao resultado. Pode parecer absurdo, mas faz sentido para mim apenas deixar as palavras fluir para onde quer que elas desejem fluir, permitindo a existência de uma gama vasta de estilos e temáticas que, a meu ver, refletem a forma como os pensamentos e sentimentos mudam com o tempo e a forma distinta como experienciamos cada dia das nossas vidas. Não será um daqueles livros relacionáveis e inspiradores, mas mais uma jornada íntima protagonizada por apenas mais uma alma errante que tenta expressar-se a si própria. Daí o nome que dei à minha página de Instagram: @thoughts_of_a_wandering_soul (em português, “pensamentos de uma alma errante”). SI: Quando tem de/quer escrever, mas não tem ideias, o que faz? CF: Não forço. Também não pretendo tornar esta minha terapia de tempos livres noutra obrigação da vida. Isso iria apenas arruinar-me. SI: Na sua opinião, qual o papel da literatura na formação das pessoas? CF: Eu vejo-a como uma estrela no céu noturno que nos guia para norte, por muito cliché que possa soar. Cada indivíduo deve construir neste mundo um interesse pela leitura, seja que interesse for. Queres ler uma adaptação romântica e sentimental após ver o filme? Sendo assim, fico feliz por quereres fazer tal coisa. Independentemente daquilo que te tenha trazido para a leitura, eu fico feliz por ti. É uma excelente forma de exercitares a tua mente, de desenvolver o teu pensamento crítico ou de simplesmente fugir durante alguns momentos das responsabilidades da vida diária. A Literatura é uma forma de expressão, uma forma de conetar com os nossos semelhantes que possam estar interessados naquilo que tens para dizer. Ela molda o mundo, penetrando na mente humana de uma forma que nenhuma outra forma de arte consegue fazer. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? CF: Despertando-lhes desde novos. A leitura ainda carrega algum estigma em torno de si própria enquanto algo que é aborrecido de se fazer, enquanto último abrigo quando a TV e a Internet não estão operacionais. A sociedade tornou-se preguiçosa… A leitura mais parece uma obrigação, principalmente pelo facto de sermos forçados a ler desde tenra idade. Os livros obrigatórios são frequentemente os primeiros livros que lemos. Precisamos de mudar isso, de providenciar às crianças um vasto leque de títulos e géneros e pedir-lhes que peguem naquilo que mais lhe salta à vista. Apenas depois disso é que passamos aos clássicos, de forma que os mesmos sejam valorizados sob uma diferente mentalidade. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? CF: Variedade! Precisamos de diversidade. Mais línguas, mais estilos, mais inovação. Um dia destes, descobri um livro (cujo título não recordo) que me saltou à vista. Maioritariamente com desenhos, poucas palavras, significado intrincado. À primeira vista, qualquer pessoa assumiria que foi feito para crianças. Ainda assim, não fui. Por vezes, menos é mais. SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? CF: Por vezes, sinto que não deveria ser assim, mas uma boa capa ainda é um grande fator para mim. Afinal de contas, porque não haveria de ser? Os seres humanos são criaturas visuais, sendo que um título invulgar e uma capa elaborada é algo obrigatório para mim. SI: Qual é a para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? CF: Tem de ser algo chamativo, mas feito com bom gosto, isto é, para que se conecte com o conteúdo. Odeio encontra livros com capas interessantes, mas que, depois que os lês, as capas acabam por não fazer sentido. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas"/”impressionistas" ou de capas mais gráficas e arrojadas? (Exemplos: capas de Lesley Pearse vs capas de Murakami) CF: Ambos. Depende do estado de espírito em que estou quando visito uma livraria. SI: Quais são as características de um bom texto? CF: Um bom texto comunica aquilo que queres comunicar sem dar demasiadas voltas ao assunto. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? CF: A segunda hipótese. SI: Qual a relação entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? CF: Diria que depende do que estás a tentar fazer com a tua escrita. Desejas conectar-te com aquilo que estás a expressar ou preferes antes permanecer nos bastidores, deixando apenas que a coisa se revele? Adotar uma posição ativa adicionaria algo ou apenas tornaria a coisa em algo confuso e demasiado focado na tua própria perspetiva em relação ao assunto que tens em mãos? SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? CF: Podem ser a mesma pessoa ou mover-se em direções completamente diferentes. Em última análise, tudo depende naquilo que o escritor está a tentar comunicar. Talvez ele deseje lutar propositadamente contra o seu padrão pessoal de pensamento ao tocar no outro lado do espelho e criar uma entidade que vai contra tudo aquilo no qual ele acredita. Afinal de contas, Pessoa disse para si mesmo: “O Poeta é um fingidor”. Qualquer pessoa criativa é capaz de simular diferentes personalidades sem perder a sua personalidade original. SI: Como define o seu estilo de escrita? CF: É mais um estilo por toda a parte. SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? CF: Não acho que seja grande coisa. Ultrapassei isso rapidamente. Há coisas mais urgentes em mãos. SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? CF: Aqui, lutas, assim como todos lutam em qualquer lugar no mundo artístico, em todo o mundo, mas talvez com o bónus pelo facto de ser num departamento subvalorizado. É quase impossível de fazer vida disso no nosso país. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros" escritores? CF: É triste além das palavras. Claro que é! Hoje em dia, todos escrevem livros, algo que deveria ser bom, mas, graças ao trabalho de indivíduos com mentes vazias e ridículas, o ato de publicar um livro não é mais levado a sério. Consegues fazê-lo? Com certeza, mas deves fazê-lo, quando tudo o que virá é uma história mal escrita sobre a forma como tu, um famoso youtuber, perdeste a virgindade (e mais outras histórias)? Não. Tens liberdade de expressão, mas considera o impacto de lançar algo como isso num mundo já minado como o mundo literário. SI: Que relação deve existir entre o cinema e a literatura? CF: Não consigo acentuar suficientemente isto: adaptações próprias. Trabalham de mãos dadas. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem manter-se fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? CF: Devem manter-se o quão fiéis possível. SI: Quais as relações possíveis entre a música e a literatura? CF: A música pode ser um condutor para a literatura. Dou frequentemente por mim a ouvir composições instrumentais enquanto escrevo. A literatura dá palavras aos sentimentos que se erguem da música. SI: O que o/a fascina na poesia? CF:O seu aspeto singular, a forma como se destaca no meio de todos os outros géneros de escrita. Acredito na supremacia da poesia. SI: Já pensou alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? CF: O género policial. Adorei tentar a minha sorte na “ficção rápida/ficção de relâmpago” através de um personagem original no contexto de uma aula de Escrita Criativa. Sempre me fascinou particularmente a forma como Conan Doyle narra as suas histórias. SI: Se pudesse ser um livro qualquer já escrito, qual seria? CF: “O Monte dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë. SI: Se pudesse ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual seria? CF: Luna Lovegood, do “Harry Potter”. Adoro aquela rapariga peculiar. SI: Qual o personagem mais chato que já leu? CF: Alguma vez leste “O Crepúsculo”. Todo o santo personagem é chato. A minha pior leitura de todos os tempos. Não consegui passar do primeiro livro. SI: Qual o poeta/escritor com quem não vai à bola? CF: Tudo o que venha de Nicholas Sparks. Não entendo o mediatismo. SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? CF: Demasiada pressão e nem sempre um julgamento justo. Muito semelhante às notas na escola: elas existem para ser tiradas com uma pitada de sal. SI: Gostaria de ganhar algum prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? CF: Não, de todo. Apenas quero escrever e ter leitores que me providenciem um feedback. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? CF: Os armários são para as roupas, não para vocês. Saiam daí. Agora a sério: escrevam cenários sobres os quais não estejais certos; escrevam o que vos vier à mente. O pior que poderá acontecer é não acabares por não usar isso. -------------------------------------------------------------------- [EN] Ironic Sarcasms: When did you get interested in Literature? Catarina Figueiredo: As children, our first encounter with literature begins with those extra colourful pages, filled with drawings and barely any text. I was no exception to that introduction and found myself getting hooked to the classic fairy tales. I have always had my head in the clouds, so when I found out that I could carry around small portals that lead to different (and often better) worlds, I jumped with glee at the opportunity. Books gained a particularly special place in my heart when I started to get sick in high school. I read a lot of young adult fiction that helped me cope with my declining mentality; It was also around that time, that I took to writing poetry. IS: What are your inspirations every time you write? CF: I find myself reading and listening to Gothic and Romantic genre of authors and music when looking for inspiration. IS: Do you plan a book? CF: I have never published a book, but I am, however, currently trying to write one. I do not feel a strong need for logical and strenuous structurization; my concept is to try and write one poem a day for at least a year, without being too critical of the outcome. It might sound ludicrous, but to me it makes sense to just let the words flow whichever way they wish to; allowing for a considerably wide range of themes and styles, which in my own point of view, perfectly reflect how thoughts and feelings change over time and how we experience each day of our lives in a different way. It will not be one of those super “relatable” and inspirational books, but more so, a personal journey of just another wandering soul, trying to express itself. Hence the name of my Instagram page: @thoughts_of_a_wandering_soul IS: What do you do when you want to write, but you don’t have ideas? CF: I do not force it. As it is not my wish to turn this therapeutic hobby of mine into yet another life obligation; It would ruin it for me. IS: In your opinion, what is the role of Literature in people’s shaping? CF: I view it as the guiding north star in the night sky. (As cliché as it may sound) Each individual in this world should build an interest in reading. Whatever it may be. You want to read a sappy romantic adaptation after watching the movie? Well, I am glad you wish to do that. Whatever it was that got you into reading, I am happy for you; It is an excellent way to exercise your mind; to develop your critical thinking, or simply get away from your daily life’s responsibilities for a while. Literature is a form of expression, a way to connect with fellow humans that might be interested in what you have to say; It moulds the world by penetrating people’s minds like no other form of art can. IS: How can we trigger a taste for reading in people? CF: We start them young. Reading still carries some stigma around it, as being the boring thing to do, the last resort when the internet and tv are down. Society has become lazy… Reading feels like a chore. Mostly because from an early age, we are force fed books. Mandatory reading is often the first books we read. We need to change that; to provide a wider range of titles and genres and ask kids to grab what catches their eye; and only then, move on to the classics, so they can be valued under a different mindset. IS: What kind of books must be available in a library? CF: Variety! We need more diversity. More languages, styles, innovation. One of these days I found a book, I cannot recall its title as I was just perusing, but it caught my eye: Mostly drawings, few words, intricate meaning. At first glance one would assume it was made for a child, and yet it was not. Sometimes less is more… IS: What are your criteria when choosing a book to read? CF: I often feel it should not be like this but: A good cover it is still a big deal for me. After all, why shouldn’t it be? Humans are very visual creatures, so an unusual title and an elaborate cover are a must for me. IS: What is for you the importance of a good cover? Does a beautiful cover bring readers’ attention or does it screw up the work? CF: It needs to be flashy, but tastefully done, that is: To connect with its content. I hate finding books that have interesting covers, and once you read them, the covers make no sense whatsoever. IS: Do you appreciate more beautiful and “romantic”/”impressionist” covers or more graphic and bold covers? (Examples: Lesley Pearse’s covers vs Murakami’s covers) CF: Both. It depends on what mood I am in when visiting a bookstore. IS: What are the characteristics of a good text? CF: A good text conveys the point it is trying to make without taking too many turns around the subject. IS: Do you prefer a more psychological writing (stream of consciousness’s style) or a more “everyday” writing? CF: The latter. IS: What is the relationship between the author and the work? There should be a distance or a communion between these two “poles”? CF: I would say it depends on what you are trying to do with your writing. Do you wish to connect with what you are expressing, or would you rather remain in the backstage, just letting it unfold? Would adopting an active stance add into it, or just make it confusing and too focused on your own perspective over the subject at hand? IS: What is the relationship between the author-person and the author-fictional entity? Can they be the same person or do they need different personalities? CF: They can be the same person or move in completely different directions, ultimately it all depends on what the writer is trying to convey. Maybe he wishes to purposely fight his personal thinking pattern by tapping into the other side of the mirror, and creating an entity that goes against everything he believes in. After all Pessoa said it himself: “The Poet is a pretender”(translated from the original). Any creative person is capable of emulating different personalities, without losing its core one. IS: How do you define your writing style? CF: Very much an all over the place style. IS: What do you think of the New Spelling Agreement? CF: I do not find it to be a big deal. I moved past it quickly. There are more pressing issues at hand. IS: In your opinion, what it’s like to be a writer in Portugal? CF:You struggle here, just like everyone struggles anywhere else in the artistic world, across the globe. But perhaps with a bonus in the being undervalued department. It is near impossible to make a living out of it in this country. IS: What do you think of famous people who write books or pay “ghost-writers” to do it for them? Do you think that it kills the Literature and the “true” writers? CF: It is sad beyond words. Of course, it does! Nowadays everyone is writing books, which should be good, but thanks to the works of so many empty-headed cockamamie individuals out there, the act of publishing a book is not taken seriously anymore. Can you do it? Sure. But should you, if all that is coming out is a poorly written tale of how you, a famous YouTuber, lost your virginity (and other tales)? No. You have freedom of expression but consider the impact of dropping something like that in an already undermined world like the literary one. IS: What kind of relationship should exist between Cinema and Literature? CF: I cannot stress this enough: proper adaptations! Work hand in hand. IS: What do you think of remakes and adaptations? Should they remain faithful to the original or should they give a different course to the plot? CF: Remain as faithful as possible. IS: What possible relationships can we have between Music and Literature? CF: Music can be a conductive for literature; I often find myself listening to instrumental compositions while I write. Literature gives words to the feelings that arouse from music. IS: What fascinates you in poetry? CF: Its uniqueness, the way it stands out amongst all other genres of writing. I believe in Poetry’s supremacy. IS: Have you ever thought about writing in another style? If so, which one? CF: Criminal genre. I enjoyed trying my hand at writing a flash fiction with an Original Character for a creative writing class. I was always particularly fascinated by the way Conan Doyle narrates his stories. IS: If you could be an already written book, what would you be? CF: "Wuthering Heights", by Emily Brontë. IS: If you could be a classic or non-classic character, what would you be? CF: Luna Lovegood from Harry Potter. I love that quirky girl! IS: Which is the most bothering character you read? CF: Ever read "Twilight"? Every single character is boring. My all times worst read. Could not make it past the first book. To which their own I suppose. IS: Which poet/writer can’t you stand? CF: Anything by Nicholas Sparks. I just do not get the appeal. IS: What’s the importance of the major prizes? Do you think they’re important or do you think they put pressure over an author’s shoulders through an unhealthy media coverage? CF: Too much pressure and not always a fair judgement. Much like school grades, they are to be taken with a grain of salt. IS: Would you like to win any specific prize? A Nobel, for example? What are your aspirations? CF: Not at all. Just wish to write and have readers that provide me with feedback. IS: Just to conclude, what advice do you give to the new writers and writers that still are locked “inside the closet”? CF: Closets are for clothes, not you. Get out of there! But on a more serious note: Write scenes you are not sure of; write whatever comes to mind. The worst that can happen is you not ending up using them. Nascida em Vila Nova de Famalicão em 1999, Vera Carvalho é poetisa com obra já publicada. Licenciada em Línguas e Literaturas Europeias e frequenta o mestrado em Espanhol Língua Segunda/Língua Estrangeira na mesma academia. Almeja ser professora e dar o seu contributo para a revolução no ensino português. Começou a interessar-se desde cedo por livros e, aos 14 anos, começou a escrever poesia e pelo mesmo género se apaixonou. Em 2019, publica a sua primeira coletânea intitulada de “Eterno Inferno”. Através da Edições Vieira da Silva, integra em 2020 a antologia “Sentidos Despertos”. Integrou neste ano de 2021 a antologia “Poesia dos dois lados do Atlântico”, publicada pela editora Artelogy. Durante a pandemia, foi o cérebro por detrás da criação do projeto "Poesia para Ti" e do podcast “Conversas de Café”, projetos estes dedicados à Literatura e Arte. É a terceira convidada da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas” e a segunda membro do "Sarcasmos Irónicos" a integrar este ciclo de entrevistas, pertencendo ao leque dos membros mais antigos do Sarcasmos. Tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer escritor e artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e a amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando ganhou interesse pela literatura? Vera Carvalho: Desde criança que sempre tive esse encanto e esse gosto pela leitura. Lembro-me que tinha o hábito de ler coleções de livros e que não descansava enquanto não terminava a leitura. Depois, esse hábito meio que se foi perdendo e eis que, entre os meus 14/15 anos, decidi experimentar escrever um poema. Desde aí que não larguei mais esse mundo literário e todo esse universo encantador. Inclusive, voltei recentemente ao hábito da leitura e estou a adorar tanto. Faz-me (re)descobrir não só como pessoa, mas também como escritora. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? VC: Depende muito… Há fases e fases. Há fases em que nada me inspira e outras em que basta ver/ouvir uma palavra, uma música, uma frase e pensar logo em todo um poema que poderia escrever sobre esse conceito. Mas, normalmente, o que me inspira são pequenas palavras que acabo por ler por aí ou, então, músicas que ativam as minhas emoções e me fazem relembrar coisas que já senti ou até mesmo que vivi com alguém. SI: Costuma planear um livro? VC: Geralmente, tenho essa mania, sim. Gosto de organizar tudo, que tudo seja coerente e faça sentido, mas que, principalmente, consiga passar uma mensagem ou uma aprendizagem para as pessoas. SI: Quando tem de/quer escrever, mas não tem ideias, o que faz? VC: Eu acho que esta é a pergunta que mais inquieta qualquer Artista, mas, no fundo, eu penso que não há uma fórmula mágica. É só mesmo aceitar que estamos nessa fase menos inspiradora, talvez monótona, acabando por ser frustrante. Mas temos de aceitá-la e não nos forçar a escrever. Acredito que “procurar” inspiração pode ainda resultar em mais frustração nesse processo, mas eu diria que ler, descobrir novas músicas, sair e viver a vida são assim os principais “remédios” que, para mim, “curam” a minha falta de inspiração. SI: Na sua opinião, qual o papel da literatura na formação das pessoas? VC: Talvez muitos ainda duvidem e questionem qual é, de facto, a importância desta Arte na vida e até mesmo na formação das pessoas. Sou bastante crítica quanto a isto, porque, mesmo que não fosse escritora/poetisa, acho que teria um mínimo de senso para admitir que a literatura tem uma grande influência na nossa vida. De tantas das suas vantagens, eu diria que ela nos salva da ignorância, porque tem a capacidade de nos oferecer inúmeros conhecimentos, diferentes perspetivas e a possibilidade de “viajar” sem ter necessariamente de sair de onde estamos. Já para não falar que é importante em termos académicos e profissionais. Uma vez que, indiretamente, ela melhora o nosso vocabulário (e, consequentemente, a nossa maneira de falar e de ver o mundo), mas também melhora a nossa capacidade de escrita. Há tantas vantagens que eu iria precisar de escrever um testamento nesta pergunta para falar sobre este tema. Mas resumindo, a Literatura é cura. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? VC: Acho que, neste aspeto, depende de pessoa para pessoa. No meu caso, eu lembro-me que a minha professora de português do 6º ano nos motivava bastante a ler e que, para isso, nos explicava as vantagens que isso tinha. Eu decidi experimentar e começar a ler e a ler e comecei a notar que melhorei bastante a minha escrita e que não dava quase erro ortográfico nenhum nos meus textos ou em testes que exigiam tal. É algo indireto e é o efeito que a leitura tem nas pessoas. Mas acho que vai de cada um. Uma pessoa pode saber perfeitamente as vantagens da leitura e, mesmo assim, não gostar de ler e achar aborrecido. Claro que acho sempre que não há desculpas para não ler. Sempre se arranja 10/20 minutos para se ler. Acho que é só uma questão de começarem a ler e perceber aquilo que gostam ou não. Depois, é uma ida sem volta quando perceberem que é incrível algumas histórias, livros e escritas. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? VC: Acho que todas as obras devem estar numa biblioteca, mas acho que isso seria impossível. De qualquer maneira, não acho que nenhum livro deve ficar de fora por motivos estúpidos, isto é, ou porque tem muitos palavrões ou porque fala de algum assunto que não convém falar em determinado sítio… Enfim. Acho que todos os livros terão a sua importância para o mundo. SI: Quais são os seus critérios na escolha de um livro para ler? VC: Não sigo nenhum critério em específico e também não sigo modas nem tendências. Compro o que me parece que tem uma história interessante e que me pareça que pode ensinar uma lição de vida ou mudar a minha perspetiva da realidade. SI: Qual é para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? VC: Acho que uma boa capa atrai sempre leitores, é claro. As cores, o tipo de letra que destaca o próprio título, os contrastes, tudo na capa… É aquela primeira impressão que nos vai dar do livro. Portanto, é meio que “obrigatório” ter em atenção a construção de uma capa quando se é escritor, mas claro que nem sempre uma capa define um livro pela sua qualidade de escrita ou pelo que se possa encontrar no seu interior. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas”/“impressionantes” ou de capas mais gráficas e arrojadas? VC: Depende… Tem vezes que aprecio bastante capas simples, mas que, com isso, conseguem ainda mais deixar a curiosidade para a história do livro. Tem outras com mais detalhes e mais elementos que me cativam bastante, mas que, às vezes, nem gosto tanto do que fala o livro. Enquanto escritora, sou adepta da simplicidade, de pouco detalhe e de um contraste que, no fundo, acaba por ter bastante sentido com a história do livro. SI: Quais são as características de um bom texto? VC: Para mim, um bom texto é aquele que consegue fazer uma espécie de “jogo” com palavras básicas que parece que quer dizer aquilo, mas que tem por detrás outras mensagens implícitas. É como se fizesse uma brincadeira com as palavras que vão levar o leitor a pensar duas vezes: “Será que é isto que o autor quer dizer?”. Assim, dá também ânimo para várias interpretações, o que torna o texto, o excerto, o poema ainda mais interessante. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? VC: Não aprecio muito uma escrita mais quotidiana… Acho que é um estilo mais “fácil” de escrever e de agradar o público, mas, como disse anteriormente, a mim, cativa-me mais uma escrita que dá que pensar. SI: Qual a relação entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? VC: Acho que isso é uma decisão que depende de cada autor. Há uns que preferem manter distanciamento e escrever algo que não lhes seja associado diretamente. Há outros que refletem totalmente aquilo que são, pensam ou sentem nas suas obras. Eu defendo pessoalmente que não tem de haver um “distanciamento” entre esses dois aspetos. Na verdade, até acho que deve haver um fio condutor entre ambos. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? VC: Tanto podem não ter nada a ver entre si, como também podem ter tudo a ver entre si. Acho que o autor é que acaba por escolher o que mais lhe convém: se prefere revelar a sua entidade tal e qual (ou parte dela) ou se, inclusive, a prefere refletir através de outra entidade. Acho que cada Artista deve fazer o que mais lhe parece cómodo ou interessante para ele. SI: Como define o seu estilo de escrita? VC: Eu diria que é um estilo acessível, apesar de eu escrever poesia. Digo isto porque não escrevo muitos termos complexos e difíceis. Porém, por detrás das minhas palavras, sempre há uma dupla perspetiva, ou seja, nem tudo significa o que aparentemente se lê à primeira vez e, por isso, encontrei na poesia a sua graça. Com poucas palavras se pode dizer tudo… SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? VC: Não tenho toda uma opinião formada sobre isso. Simplesmente sigo escrevendo como me apetece sem estar a preocupar-me muito com erros ortográficos. Sendo escritora, penso que ainda tenho um pouco de liberdade para escolher como quero escrever. Não digo que se deve escrever com erros, mas também nem tudo tem de se seguir à risca, porque até mesmo algumas regras não têm fundamento. SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? VC: Não é, simplesmente. Qualquer um que escreva um texto que diga “Hoje as estrelas no céu fizeram-me lembrar de ti” é um grande escritor e é assim que o “povo” vai escolhendo os “representantes” da nossa literatura atual. Conheço tantas pessoas a escrever e a revolucionar(-se) na escrita de diversas maneiras que, se Portugal tivesse a capacidade e inteligência para ler tais escritos, ficaria boquiaberto com tanto talento. Mas, infelizmente, não. A “escrita-chiclete” prevalece por cá. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os verdadeiros escritores? VC: Se isso for feito nos termos corretos e legais, não acho que haja nada de mal. Ou seja, dar os devidos créditos à verdadeira pessoa que escreveu aquele livro. Já que não quer revelar a verdadeira entidade, que deixe logo de início ou ao longo do livro que aquilo foi escrito por outra pessoa a mando de fulano “x”. Afinal, nem todos os escritores querem ser reconhecidos ou ver a sua entidade a ser imediatamente revelada por algum trabalho em específico que lhes foi pedido. Mas não acho que isso acaba por matar a literatura. Afinal, nem toda a gente nasceu com essa capacidade de escrita e para isso existimos nós. SI: Que relação deve existir entre o cinema e a literatura? VC: Pode ser interessante esse vínculo que se estabelece entre as duas Artes se, de facto, houver uma correta adaptação de, por exemplo, uma obra literária para uma obra cinematográfica. Na maioria das vezes, acabam por distorcer a realidade ou o real seguimento dos acontecimentos do livro quando decidem passar para um filme e isso não está certo. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? VC: Se o autor da obra autorizar a modificações para esses remakes e adaptações e, se essas tais modificações fizerem sentido na história original sem alterarem a obra original, então, por mim, está tudo bem. Agora, não acho justo fazerem alterações sem sentido que acabam por prejudicar a obra original, porque, depois, quem vai a ler a obra original não tem a ideia que viu nos remakes e acabará por haver duas ideias diferentes em que a mais interessante prevalecerá aos olhos do leitor. SI: Quais as relações possíveis entre a música e a literatura? VC: Creio que, de alguma forma, a literatura acaba por estar associada à música e vice-versa. Há músicas que parecem ser autênticos poemas e textos/poemas que têm uma certa sonoridade que encaixaria perfeitamente numa melodia. Já para não dizer que a música acaba por ser a principal fonte de inspiração para quem escreve. Há melodias, ritmos e, inclusive, letras de músicas que inspiram muitos Artistas a escrever, pintar, desenhar… SI: O que o/a fascina na poesia? VC: O facto de, com algo muito simples, se conseguir dizer as coisas mais complexas que, por si só, levam a inúmeras interpretações. SI: Já pensou alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? VC: Não propriamente… Às vezes, vou escrevendo um texto aqui e acolá ou artigos sobre a minha área de estudo, mas, de resto, penso que já não consigo ver outra maneira de me expressar que não seja através da poesia. SI: Se pudesse ser um livro qualquer já escrito, qual seria? VC: Para levantar um bocado o véu, acho que seria o meu próximo livro que ainda está em processo de construção… A verdade é que se trata de um conceito em que cada poema tem um pedacinho meu, uma característica, um defeito, uma qualidade, um sentimento, algo que seja característico meu e que talvez pouca gente verdadeiramente conheça de mim… Mas, não sendo propriamente justo e referindo um livro de outro autor, eu diria que seria o livro de Maria Teresa Horta. Reflete os seus pensamentos enquanto mulher, fala do amor, dos relacionamentos e do conceito de beleza… tudo isto de uma maneira bastante simples, mas fascinante. Releva também muito da sua personalidade determinada, o que é um dos aspetos que mais me encantou no livro. O próprio título define muito aquilo que todos temos: “estranhezas”. SI: Se pudesse ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual seria? Não acho que queria ser alguma personagem de história alguma por aí. Tem sempre algum aspeto que não defendo ou na qual não me revejo, mesmo que os seus atos ou intenções tenham sido os melhores. Personagem é isso mesmo: algo inventado e, por vezes, fictício. SI: Qual o personagem mais chato que leu? Que eu me lembre das minhas leituras, não considerei nenhum a esse ponto assim… SI: Qual o poeta/escritor com quem não vai à bola? Aqueles que acabam por cair na banalidade de escrever para agradar o público e que, por isso, escrevem com uma escrita básica, banal e “chiclete”. Não inovam, escrevem palavrões só para parecer rebeldes e arrojados, mas o que acaba por parecer é que vão à internet pesquisar frases aleatórias e acabam por as reescrever de outra maneira, mais “à português” para atrair público. Acho que o número de vendas não deveria ser tudo, mas, infelizmente, todo esse sistema da indústria da Literatura está ainda muito mal em Portugal… Sophia Mello de Breyner, Fernando Pessoa, Luís de Camões, Eça de Queirós… Esses sim, ficariam desiludidos com o rumo que a nossa literatura parece levar… SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? Digo isto para tudo na vida: classificações e prémios não definem talento. Não é porque ganham prémios e são bastante reconhecidos que são melhores que os outros. SI: Gostaria de ganhar algum prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? Não penso nisso sequer. Se, algum dia, ganhar algum prémio, muito bem. Se não, também não fico desiludida com aquilo que faço ou estarei a fazer no momento. Tenho consciência daquilo que sou e daquilo que faço e acho que, no fundo, isso é o mais importante. Não é um prémio que irá mudar algo. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário”? Para nunca desistir da Literatura, porque, no final, isso valerá a pena. Nem que seja para nos fazer crescer e ganhar uma bagagem de vida, experiências e aprendizagens incríveis e únicas. Nascido em Vila Nova de Famalicão em 1997, Raphael de Sousa é poeta e aspirante a professor universitário de Literatura e a romancista. É licenciado em Línguas e Literaturas Europeias pela Universidade do Minho e frequenta o mestrado em Língua, Literatura e Cultura Inglesas na mesma universidade. Desde a infância que os livros fazem parte da sua vida e, após uma vontade inexplicável de imitar Camões começou a escrever poesia aos 15 anos. Foi colaborador do Jornal Académico da Rádio Universitária do Minho. Em 2016, em conjunto com o seu amigo e companheiro Pedro Maia, funda o “Sarcasmos Irónicos”, uma plataforma de criação literária que tenta dar palco a novos escritores e ajudar os mesmos a sair do anonimato. É o segundo convidado da rubrica “Entrevistas Interartísticas” e o primeiro membro do “Sarcasmos Irónicos” a ser incluído neste ciclo de entrevistas, também numa tentativa de dar a conhecer aos leitores os membros que estão por detrás destas entrevistas e da própria revista. Tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer escritor e artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e a amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela literatura? Raphael de Souza: Os livros sempre estiveram presentes na minha vida desde miúdo. Lembro-me de ler Camilo Castelo Branco com 8 anos, embora não percebesse nada do que ele dizia, mas gostava de lidar com as palavras. Minha mãe sempre me encorajou a ler e a minha tia paterna oferecia-me muitas enciclopédias de história e ciência. Meu avô paterno, embora não fosse escritor nem tivesse relacionamento algum com literatura, era um bom “storyteller” no verdadeiro sentido da palavra e era um engenheiro que lia muito sobre ciências e política e natureza. A minha verdadeira paixão pela literatura e escrita surgiu aos 15 anos através de Camões e foi quando comecei a escrever poesia. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? RdS: Em Portugal, as maiores inspirações serão sempre Fernando Pessoa, Eça de Queirós, Manuel Alegre, etc. A nível estrangeiro, as influências são infinitas. Whitman, Paul Auster, Rimbaud, Keats, Yeats, Robert Frost, Salinger, Borges, etc. SI: Costuma planear um livro? RdS: Não planeio livros, embora goste de registar os passos que dou nos capítulos para ver por onde poderei entrar. Planear um livro é torná-lo formatado, embora o ignorar a coerência e o acompanhamento do fio à meada não funcione. O meio termo também é complicado. Escrever um livro é um mistério. Por isso é que ainda não consegui publicar algum. SI: Quando tem que/querem escrever, mas não tem ideias, o que fazes? RdS: Nada. Fico rabugento e fico a escamotear para com os Deuses até que me venham as ideias. SI: Na sua opinião, qual o papel da literatura na formação das pessoas? RdS: Fundamental. A Literatura faz as pessoas olhar para o mundo para além da sua mecânica. As pessoas tendem a olhar para o mundo através da história e dos factos crus e puros como se fossem Thomas Gradgrind (do “Hard Times”, de Charles Dickens), mas a visão precisa de ficção, de um ornamento que torne as coisas mais bonitas e mais memoráveis. O mundo não precisa de tanto realismo, de tanto 3D. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? RdS: Dando liberdade à pessoas desde cedo para lerem os livros da sua própria forma. Apesar de um esforço de décadas para contrariar o abandono da leitura, acho que a grande culpa pelo “desapetite” pela leitura ainda cai sobre as escolas. Dissecar as obras nas aulas e enfiar interpretações pela goela abaixo não faz os alunos perceber a literatura e, acima de tudo, senti-la. A ideia recente de se retirar clássicos dos planos curriculares e substituí-los por obras mais “fáceis” não resolve nada e constitui um assalto à essência da Literatura. A solução é dar mais liberdade interpretativa aos alunos e fazê-los desenvolver a imaginação e a consciência. Também há que lhes desenvolver a aptidão para a criação literária. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? RdS: Considero que uma boa biblioteca deve abranger todas as áreas de conhecimento. Na área da literatura, há ainda um pouco de deficiência na oferta. Podia haver mais acesso a literatura europeia, americana, asiática, africana, etc. Filosofia também é uma área um pouco desinvestida. As áreas dentro das Letras são, de um modo geral, mais desinvestidas nas bibliotecas, pois Portugal tornou-se num país de médicos, economistas, políticos e engenheiros. Agora, todos querem saber de tecnologia, todos querem saber de política, todos querem saber de economia, todos querem tratar maleitas, mas são poucos os que querem olhar para as maleitas da alma e da sociedade e essas maleitas estão para além da tecnologia e das leis e das convenções sociais. SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? RdS: Capa boa, um bom título, não ser um livro muito grande. Livros que ultrapassem as 300 páginas já é um pouco desmotivador para ler, pois indica que poderá haver “palha” no enredo. O autor e o seu “currículo” literário também têm a sua importância, embora não seja determinante. É óbvio que um autor canônico será sempre mais atrativo, quer queiramos ou não. SI: Qual é a para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? RdS: Uma boa capa tem muita importância para tornar um livro atrativo. As pessoas comem muito com os olhos e eu também me incluo nessa categoria. Contudo, a capa não deve demasiado sensacionalista e bonitinha, porque dá a sensação de que o livro não tem muito para oferecer. Por outro lado, a capa também não deve ser muito artística e arrojada, porque acaba dando ao livro um pedantismo excessivo. Não digo que o pedantismo não seja bom em certa medida na Literatura, mas nunca deve ultrapassar um certo nível. Caso contrário, vira uma mera expressão de ego. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas"/”impressionistas" ou de capas mais gráficas e arrojadas? (Exemplos: capas de Lesley Pearse vs capas de Murakami) RdS: Gosto de capas bonitas, mas não gosto de capas românticas. As capas bonitas atraem a atenção das pessoas, mas as capas românticas tapam aquilo que as editoras não querem que o consumidor final veja a olho nu. As capas românticas acabam sendo um golpe de marketing editorial. Também gosto bastante das capas arrojadas e gráficas, pois acabam sendo um convite ao pensamento e a uma viagem para além do realismo do mundo. Nunca li nada do Murakami, mas gosto bastante das capas. Acho que são capas desafiantes. SI: Quais são as características de um bom texto? RdS: Um bom texto deve ser fluente, sem erros ortográficos, sem erros de coesão nem de pontuação. É fundamental para o leitor entender o raciocínio do ficcionista. Um bom texto pode também ter um estilo cinematográfico em que, a cada capítulo ou meio capítulo, o escritor é transportado repentinamente de um cenário para outro. Acho que é desafiante para a imaginação convencional do leitor que está habituado a coisas mais elementares. Há mestres no estilo de deambulação entre cenários. James Joyce é um deles. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? RdS: Ambas são bons modos de escrita, desde que não sejam exageradas. O estilo psicológico é bom para olharmos para a pessoa retratada de uma forma completa e não apenas da perspetiva da moral e das suas ações. James Joyce faz isso com Stephen Dedalus (o protagonista no “Retrato do Artista enquanto Jovem”) ao retratar um jovem miúdo com ideias moralistas e muito católico que, ao longo do enredo, vai crescendo e vai se desmoronando moralmente enquanto “arde” psicologicamente com a ideia de ser castigado por um Deus cruel e severo que não suporta o erro e o pecado. Tolstoi faz também um ótimo trabalho com Ivan Ilitch ao retratar a forma como a mente de um conceituado juiz lida com a doença e com a forma como a medalha que o mesmo enverga dizendo “Respice Finem” faz jus ao existencialismo inerente. O estilo quotidiano de escrita também é bom, sendo que dá algum senso de realidade a uma ficção. Hemingway tem bons trabalhos nesse estilo como são os casos de “The Sun Also Rises”, “The Garden of Eden” e “The Old Man and the Sea”. São livros em que a escrita é simples e sem manias e ornamentos e tem uma dose de realidade. SI: Qual a relação a entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? RdS: Tem muito a ver com o que o autor pretende da obra e também com o lado introvertido ou extrovertido do próprio. Há autores como Robert Browning e Peter Handke que se distanciam emocionalmente da obra e do protagonista/eu-lírico. Há outros que se parecem agarrar muito aos personagens. Pessoalmente, defendo um meio termo aqui. Creio numa relação muito próxima entre o autor e o protagonista, mas também creio que não seja demasiado próxima para que o ego do autor não se apodere da voz do personagem e dê à escrita um tom arrogante e chato. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? RdS: Depende do contexto, mas, num contexto normal que não se deixe pautar por restrições e constrangimentos, torna-se lógico que o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional sejam a mesma pessoa, pois o autor espelha na voz do protagonista as suas preocupações e os seus anseios e pensamentos. Geralmente, é disso que é feita a voz à qual costumamos chamar de “voz poética”. Contudo, o autor-pessoa pode também distanciar-se do autor-entidade ficcional. Por isso é que temos os pseudónimos e os alter-egos. Por isso é que temos autores como o Fernando Pessoa que se reparte em várias heterónimos com várias personalidades diferentes como se fosse uma matrioska. É também lógico que isso aconteça, sobretudo quando queremos expressar algo sem sermos alvo de retaliações, nomeadamente em situações de opressão. SI: Como define o seu estilo de escrita? RdS: Não tenho estilo definido e ainda estou em luta para definir um estilo meu. Sou um escritor eclético que gosta de vários estilos. Aquilo que tento é não ser muito sentimental para que o texto que escrevo não se torne fútil e fique com pouco a oferecer. Tento também não me distanciar muito, porque não quero que a voz do sujeito poético seja fria e sem compaixão. Se, algum dia, conseguir um estilo meu, esse será um estilo mais “crossover”, ou seja, um estilo convergente que possui vários modos vindos de vários géneros. SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? RdS: Eis uma pergunta que mexe com sentimentos de pessoas. Vejo uma certa tendência para a generalização e para a ideia de que Portugal se rebaixou na sua essência. Enquanto escritor que é licenciado na área das Línguas, devo dizer que o Novo Acordo Ortográfico tem muito sentido no que toca à escrita, porque vem fazer com que as pessoas escrevam as palavras da mesma forma como as pronunciam. Quando o Novo Acordo entrou em vigor, eu ainda era aluno e estava a entrar para o 9ºano e, até aí, sempre me tinha questionado sobre o porquê de, por exemplo, eu ter de escrever as palavras “baptismo” e “acção” quando, na fala, eu as pronunciar como “batismo” e “ação”. Não fazia sentido para mim e acredito que não fazia sentido para muita gente. Foi um conjunto de incoerências linguísticas que o Novo Acordo Ortográfico veio resolver para bem. Como é óbvio, houve correções desnecessárias que o Novo Acordo veio fazer, como foi o caso de certas supressões de acentos que vieram causar complicação e obrigar os leitores a ler duas ou três vezes a mesma frase para entender a palavra. É o exemplo do “para” e do “pára”. Também há o caso da supressão do hífen em certas expressões que veio alterar o universo da aglutinação e da justaposição de palavras. Contudo, acho que o Novo Acordo Ortográfico veio trazer coisas boas à língua portuguesa e fazer certas correções necessárias e é algo normal, porque qualquer língua em qualquer parte do mundo está em constante evolução. Para além disso, as variantes da língua portuguesa continuarão a manter a sua essência porque há uma riqueza de vocabulário inerente às várias variantes que jamais poderá ser suprimida. SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? RdS: Ser escritor em Portugal é complicado. Como disse numa pergunta acima, estamos num país de juízes, engenheiros, médicos e economistas. As Letras estão desaproveitadas em Portugal, embora comece a ver um esforço crescente para revalorizar as letras. No século XX, tínhamos em Portugal que, apesar de 48 anos de ditadura e outros 26 anos de ressaca e de reconstrução de um país saído da opressão, tinha uma força artística e literária ainda significativa. Passamos desse país paradoxalmente literário para um país que, em pleno século XXI, está perdido culturalmente. Nos dias de hoje, não se pensa muito em Literatura, embora esteja a começar a mudar. É mais fácil mandar o filho estudar Medicina e Engenharia e Direito, porque dá dinheiro e atrai bons partidos para casamento. Não se pensa em mandar o filho estudar Literatura ou Filosofia ou Antropologia. Foge-se disso. Quando um jovem diz que quer ser escritor ou músico, ouve-se muito rapidamente um “Para quê? Serve para alguma coisa? Vai dar de comer aos teus filhos?”. As pessoas pensam no que é fácil e no que dá dinheiro. As pessoas não pensam muito em cultura. O que é o pensamento livre à beira de um cabrito na mesa, uma casa com jardim e um BMW na garagem? Não é nada. É muito difícil viver-se da Literatura e da Cultura em Portugal, a não ser que sejas um cânon contemporâneo tipo um Saramago ou um Lobo Antunes. E mesmo assim… É Portugal. Olhamos para países mais culturalizados e é diferente. Nos Estados Unidos, é muito recorrente ouvir a expressão “escritor profissional” e esta expressão vem acompanhada pela expressão “agente literário”. Há uma indústria lá fora que permite aos escritores viverem da sua arte. Aqui em Portugal, a definição de “Literatura” é “afagar as mágoas num papel ao fim do dia, depois de sair de um turno de 8 horas de trabalho fatigante”. Os nossos dicionários andam enganados nas definições. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros" escritores? RdS: Eis outra questão que mexe com os sentimentos das pessoas. Há muitas opiniões favoráveis e outras não muito favoráveis e eu não quero ser radical nem maldoso com quem o faz. Acho que a Literatura é Literatura e a Literatura é arte. Como tal, deve ser feita por quem a entende. Muitas pessoas falam no direito que as pessoas têm de escrever livros e contar as suas histórias e, no que toca a isso, não nego. Não deixa de “storytelling” e é disso que a Literatura é geralmente feita, seja esse “storytelling” ficcional ou não-ficcional. Contudo, os livros escritos pelos famosos que saem das editoras para o mercado livreiro são uma bomba de marketing editorial e de autopromoção por parte do autor, sendo que a editora ganha mais dinheiro e o autor ganha mais seguidores nas redes sociais. Isto, no fundo, não mata a literatura, mas prejudica os “verdadeiros” escritores, os artistas que entendem a literatura e ganham pouco ou nada com a sua arte (alguns nem conseguem publicar, porque publicar um livro fica caro) enquanto vêm autobiografias de famosos faturarem às centenas e aos milhares de euros. Se isto fosse um famoso ou dois ou três a publicarem um livro, não havia grande problema, mas imagine-se todo o famoso e mais algum a escreverem autobiografia. Os livros dos “verdadeiros” autores ficam para trás nas vendas e, por vezes, esquecidos. Já a história dos ghost-writers não é nova. Sinceramente, pagar a alguém para escrever um livro por mim e publicá-lo como tendo sido escrito por mim e virar o marketing que vira não só é desleal para com a Literatura, mas também desleal para com as pessoas que compram esses livros. Contudo, não quero ser radical nisto, porque cada um tem o direito de escrever e publicar livros que quiser. Talvez nem seja um problema nos países mais desenvolvidos, mas, aqui em Portugal, é um desequilíbrio que não devia acontecer. SI: Que relação deve existir entre o cinema e a literatura? RdS: Deve existir uma relação próxima entre ambos os campos, até porque muitos livros já estão escritos num estilo mais cinematográficos e ficam mais fáceis para serem adaptados para cinema. Por exemplo, livros do Joyce ou do Hemingway são ótimos para adaptar no cinema. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? RdS: Há muitos puristas que defendem que as adaptações e remakes devem se manter fiéis à ideia original dos escritores nos livros. Há uma certa lógica. Pessoalmente, defendo que, tanto na Literatura e no Cinema, há uma liberdade para criar perspetivas e originar uma metamorfose das ideias. Acredito que há sempre uma perspetiva diferente a dar sobre um livro e o cinema pode mostrar e responder a certas perguntas como “E se o protagonista do livro não tivesse enlouquecido?”, “E se o adjuvante do protagonista não tivesse morrido?”, etc. Contudo, defendo que quem está a adaptar a obra para cinema tenha a atenção à essência da obra e que todas as alterações de perspetiva que sejam feitas não comprometam a ideia basilar da história. SI: Quais as relações possíveis entre a música e a literatura? RdS: A literatura está ligada com a música (sobretudo no que toca à poesia), porque a música acaba dando movimento à literatura. Imagine um carro. Podes ver que o carro é um Mercedes, mas andar com ele é sempre uma experiência diferente. É essa a relação que vejo entre a Literatura e a Música. Podes ler um poema e ver que ele é bonito, mas uma música e uma voz a cantar os versos dá uma experiência diferente. A Literatura e a Música têm uma relação antiga. Os gregos faziam isso na antiguidade. Cantavam poemas ao som de uma lira. Na Irlanda pré-Cristã, fazia-se isso. Cá em Portugal, a poesia e a música relacionam-se através do fado. E não só. Durante décadas, o Festival da Canção tinha músicas a concurso com letras escritas por poetas e escritores. Foi algo que se perdeu com o tempo . Devíamos recuperar isso, sobretudo para divulgar novos poetas e escritores. SI: O que te fascina na poesia? RdS: Fascina-me o lado não-convencional. Rimar ou não rimar, não teres de rescrever até ao fim da linha para passares para a linha seguinte, não teres de terminar um verso com um ponto final ou uma vírgula ou com pontuação… Depois, tens os jogos de palavras, de pensamentos, de ideias. Podes jogar com a mente de quem está a ler, podes provocar-lhe uma lágrima, um riso, euforia, disforia, tristeza… A poesia tem um poder profundo difícil de explicar. SI: Já pensaste alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? RdS: Já pensei e tento. Tento escrever romances, embora nunca consiga. Também tento escrever contos. É muito desafiante contar histórias e prender a atenção de quem a lê. O tom cinematográfico, a mente do protagonista… No conto e no romance, podes levar o leitor até onde quiseres, enquanto, na poesia, ainda não tens essa liberdade total. Tens é de conseguir manter uma coesão, que é o mais complicado no romance e no conto. Também já pensei em escrever para teatro e para cinema, mas é muito complicado. Há um noção de vida própria na representação que vai para além daquilo que vemos na poesia e na prosa. É muito complicado escrever para teatro e para cinema. SI: Se pudesses ser um livro qualquer já escrito, qual serias? RdS: “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. É um livro surreal e com uma evolução selvagem. Pensas que vai ser uma certa coisa e acaba por dar-te a volta às ideias, porque é uma obra em que três mancebos extravagantes brincam às artes, às paixões e às ideias e tolices e acaba tudo em assassinato do mais maluco dos três. É um livro alucinante e nota-se que foi escrito pelo Oscar Wilde. SI: Se pudesses ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual serias? RdS: Em termos de clássicos, seria o Lord Henry Wotton, o amigo sardónico de Basil Hallward em “O Retrato de Dorian Gray”. É o homem das mil teorias e cada teoria é mais mirabolante que a outra. Tem um sentido de humor capaz de picar o seu amigo Basil e o deixar tolo da cabeça. Em termos de não-clássicos, seria Fanshawe, personagem de “O Quarto Fechado”, terceiro romance da “Trilogia de Nova Iorque”. É uma personagem profunda e complicada de perceber no que toca às suas ações e à forma enigmática como fala através das correspondências (e também na parte final da história). Gostava de conseguir perceber essa personagem. Ou então o narrador de "A Voz Subterrânea", de Dostóievski. Gosto da forma seca e imparcial com que o narrador fala do mundo exterior à "bolha" em que ele está. SI: Qual o personagem mais chato que já leste? RdS: O Capitão Beatty, chefe do corpo de bombeiros em “Fahrenheit 451” (Ray Bradbury). É um chefe do corpo dos bombeiros que dá a cara pela missão dos bombeiros de queimar todos os livros e prender todos os que se atrevem a ler livros, mas, ao mesmo tempo, é uma pessoa que conhece os livros todos e, durante o desenrolar da história, vai espicaçando Guy Montag (o protagonista) com argumentos e contra-argumentos sobre as obras de forma a levar o protagonista à loucura. Ainda bem que ele morre na parte final do livro. Menção honrosa para Holden Caulfield (“The Catcher in the Rye”) e para Tom Buchanan (“The Great Gatsby”). SI: Qual o poeta/escritor com o quem não vais à bola? RdS: Isto vai soar a uma resposta comum, mas, embora goste bastante do pensamento político e filosófico dele, não gosto dos livros do Saramago. Tem um estilo de escrita com o qual não consigo encaixar. Em termos de poetas, é mais difícil de dizer um com quem não vá à bola, mas talvez seja Tennyson. SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? RdS: Acho que os grandes prémios são muito importantes para catapultar carreiras, como foi o caso de Louise Glück, a poetisa que ganhou o Nobel em 2020 e que só passou a ser conhecida e traduzida em Portugal após isso. Contudo, acho que os prémios deviam ser mais bem atribuídos e menos politizados e, nesse sentido, o Prémio Nobel é campeão. De facto, os prémios também podem criar pressão sobre os escritores que o ganham, assim como há escritores que devotam uma vida na Literatura para os ganharem. Há escritores que sentem pressão depois de ganharem grandes prémios, pois têm de escrever um livro igualmente bom que corresponda às expetativas dos leitores e da imprensa. Contudo, é uma questão de saberem lidar, porque, de facto, esses prémios catapultam carreiras literárias. SI: Gostaria de ganhar um prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? RdS: Acredito que muitos escritores gostariam de receber grandes prémios. Seria uma falsidade da minha parte dizer que não gostaria de ganhar um Nobel ou um Booker Prize. Os escritores gostam geralmente de serem reconhecidos pelo seu trabalho e de receber este trampolim nas suas carreiras. Em Portugal, confesso que gostava de ganhar o Prémio Camões, por exemplo, mas isso de ganhar prémios é demasiado ambicioso. Se tiver reconhecimento pelo que escrevo, já é bom. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? RdS: Não desistam e tentem melhorar. Sejam críticos de vocês mesmos, mas nunca em demasia. Não deixem que a vossa escrita se deixe dominar por sentimentos e tenham um pouco de frieza para que a vossa escrita não se torne melosa. Leiam muito e não tenham medo de imitar os vossos heróis literários, porque não há criação sem, antes de tudo, haver uma imitação. Apoiem os novos escritores e os escritores no armário e ajudem-nos a formarem o seu estilo. Façam intercâmbio de ideias com eles. Nos dias de hoje, a cultura é mais importante que nunca e a ficção é precisa neste mundo de realismo excessivo. Precisamos de novos escritores na literatura, de novo sangue nesta luta pela revalorização da Literatura, da Cultura e das Artes em Portugal. Precisamos de pessoas a frequentar os cursos superiores ligados às Letras. As Letras são muito importantes na manutenção de uma sociedade. Lembro-me de ouvir um antigo professor meu dizer que "Engenharias, Medicina, Direito e outros são áreas muito importantes, mas que, sem as Humanidades, as outras áreas não podem sobreviver". Eu concordo com esse professor. Precisamos de uma força humanista no mundo e as Letras entram aí, a Literatura entra aí, a Filosofia entra aí. E por aí fora. Não desistam nunca da Literatura e da escrita. Juntos, venceremos. Nascido na Amadora (Lisboa) em 1948, António Garcia Barreto é poeta, ficcionista e ensaísta. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, conta com mais de 30 obras publicadas e alguns prémios arrecadados pela sua obra. Para além de escritor, já foi empregado de livraria e, em várias empresas, foi Técnico de Organização e Métodos, Gestor de Recursos Humanos, Gestor de Recursos Humanos e Diretor de Pessoal. Colaborou em vários jornais e revistas, tendo dirigido a "Oficina do Tio Lunetas", uma página infantil do semanário "Notícias da Amadora". António recebe em 1972 o 1º Prémio de Poesia nos Jogos Florais da Manutenção Militar como o poema "Uma Força Vinda do Vento" e, em 1973, recebe o 1º Prémio de um concurso de contos do Diário Popular com o conto "Tio Jeropiga, Tio Manel Pedreiro, Eu, a Mula Bizarra e Companhia". Seu romance "A Malta da Rua dos Plátanos" foi traduzido para russo e o livro "Botão Procura Casa" foi traduzido para braille. Sua obra infantil "Uma Zebra ao Telefone", publicada em 2006, foi incluída no Plano Nacional de Leitura. É membro da Associação Portuguesa de Escritores (nº449) e representado pela Sociedade Portuguesa de Autores (nº5953). É o nosso primeiro convidado da nova rubrica "Entrevistas Interartísticas" e tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer escritor e artista e que, ao longo da rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e a amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela literatura? António Garcia Barreto: Por volta dos 14 anos. Tive contato com livros desde criança. A paixão nunca mais esmoreceu. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? AGB: Não tenho inspirações. É mais transpirações. Tenho a vida vivida, a imaginação, a vontade, o gosto. Surge-me uma frase, uma ideia, um título, um verso e tudo parte daí. SI: Costuma planear um livro? AGB: Não planeio. Um pintor tem uma ideia, uma tela, pega nos pincéis e começa a dar forma à ideia. Às vezes dá, outras não. O escritor faz o mesmo com as palavras. Se vejo que a ideia tem pés para andar (passos curtos), então, traço linhas gerais, tomo notas para desenvolver depois. O romance, sobretudo, exige muitas versões antes de chegar a um todo que me agrade. Sou muito crítico do meu trabalho. SI: Quando tem de/quer escrever, mas não tem ideias, o que fazes? AGB: Quando não tenho ideias, vou à procura delas ou espero que (elas) me acordem. SI: Na sua opinião, qual o papel da literatura na formação das pessoas? AGB: A arte em geral dá corpo e aprofunda o conhecimento, ginastica o cérebro, amadurece as ideias, ajuda ao entretenimento, cria uma outra realidade dentro da realidade existente. A literatura é a arte da palavra. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? AGB:O desejável, diz a experiência, é um contacto com o livro, a leitura (inicialmente feitas pelos pais, ou avós) e escutada pela criança. Motivar. Oferecer livros. Mais tarde, a escola deve continuar esse trabalho de incentivadora da leitura. Não me parece que seja o que está a acontecer atualmente em Portugal, embora haja quem se esforce nesse sentido. Mas tinha de ser um movimento amplo. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? AGB: Uma biblioteca deve ter um catálogo geral para responder aos anseios, curiosidades e dúvidas dos leitores. Pode também ter áreas especializadas em determinados temas. SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? AGB: Que ele desperte o interesse pela sua leitura, inicialmente pelo título, pela capa, pela sinopse da contracapa (falamos de literatura). Depois, é iniciar a leitura, continuar ou largar. SI: Qual é para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? AGB: Uma boa capa valoriza a obra. Anos atrás, as capas eram em geral produzidas por artistas plásticos. Hoje, as editoras adquirem imagens que, muitas vezes, ilustram mal o conteúdo do livro. Talvez devessem apostar mais em designers ou pintores. Uma fotografia nem sempre vale mil palavras. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas"/”impressionistas" ou de capas mais gráficas e arrojadas? (Exemplos: capas de Lesley Pearse vs capas de Murakami) AGB: Gosto de capas que sejam um elo com o texto. Do Murakami, não gosto das capas nem dos livros. SI: Quais são as características de um bom texto? AGB: Leitura fácil e atraente, ortograficamente correto. Frase contida. O texto deve prender a atenção do leitor de modo a mantê-lo interessado até à sua conclusão. Não gosto de textos (ficção literária) que tenham demasiado “enchimento” apenas para tornar o livro mais caro. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? AGB: Prefiro uma escrita que não tenda para o hermético, tentando dar uma pseudoimagem “intelectual” do autor. O fluxo de consciência teve um cultor muito conhecido: Jack Kerouac e o seu livro “Pela estrada fora”. Prefiro personagens bem desenvolvidas em temas com a magia da realidade. SI: Qual a relação entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? AGB: Deve haver uma comunhão entre ambos. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? AGB: Podem ser uma e a mesma coisa; ou podem querer ser personalidades diferentes. Daí a existência de muitos pseudónimos (e.g. O médico Adolfo Correia da Rocha e o escritor Miguel Torga). SI: Como define o seu estilo de escrita? AGB: Realista e mágica tanto como possível. Mas pode depender da obra em si. SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? AGB: Tema que continua delicado. Sempre fui contra o NAO por ter sido imposto pela parte mais forte (os brasileiros), devido à capacidade atávica dos portugueses para se anularem perante os mais fortes. Talvez tivessem pensado que íamos, assim, vender muitos livros portugueses no Brasil. Ora o português falado e escrito no Brasil é diferente do português europeu. Ao contrário do que possa parecer (e para além do facto referido antes), os brasileiros dizem bem de nós na nossa frente e mal nas costas. Nenhum povo colonizado assume uma boa relação com o colonizador. Mas, verdade seja dita, em muitas alterações tiveram razão, pois nós adiamos sempre as questões não-imediatas. Por isso, como continua a estar em vigor esse acordo obrigatório nas escolas portuguesas e no Estado, não faz muito sentido, passados tantos anos, que se escreva com base no antigo acordo, pois a maioria dos alunos (hoje adultos ou ainda em processo de aprendizagem) usa o NAO. SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? AGB: É como ser músico, ator, pintor, arquiteto… Não temos “público”, não temos trabalho que nos remunere. Além disso, não temos agentes literários (há um ou outro) que nos “venda” cá e no estrangeiro, como é normal nos países evoluídos. Mas temos agentes de jogadores e treinadores de futebol, pois é um mercado onde circula muito dinheiro. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a "ghost-writers" para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros" escritores? AGB: Isso existe há muito tempo e não tenho nada contra. Não tem a ver com literatura, mas mais com aspetos biográficos e de promoção pessoal. SI: Que relação deve existir entre o cinema e a literatura? AGB: Toda a que for possível. Mas a obra também deve ter características cinematográficas. São linguagens diferentes. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem manter-se fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? AGB: O original é o original, a adaptação é outra coisa. Mas podem coabitar. SI: Quais as relações possíveis entre a música e a literatura? AGB: Sou ouvinte, mas não sou músico. Mas acredito que seja uma relação possível. Por exemplo, é possível entre a poesia e a música. SI: O que o fascina na poesia? AGB: Na poesia, fascina-me a renovação das palavras e das ideias e do seu sentido. SI: Já pensou alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? AGB: O meu estilo compõe-se de estilos diversos. Se escrever um policial, tenho um estilo; se escrever um romance “puro”, tenho outro ou outros. Se for uma novela juvenil, ainda outro. SI: Se pudesse ser um livro qualquer já escrito, qual seria? AGB: Não quero ser um livro nem a personagem de um livro, mas gosto e admiro muitos livros e vários autores com os quais muito tenho aprendido e deliciado ao longo da vida. SI: Se pudesse ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual seria? AGB: Só quero ser eu próprio. SI: Qual a personagem mais chata que já "leu"? AGB: Personagens não me lembro, mas livros há bastantes. Ficam pelo caminho. SI: Qual o poeta/escritor com quem não vai à bola? AGB: À bola, literalmente falando (mas não só), podia ir com o Ruy Belo, esse grande poeta já desaparecido. Não vou muito à bola com o Saramago, embora tenha um ou dois livros de que gosto. SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? AGB: Os prémios literários pertencem a um mundo difícil de desvendar. Digo-o, embora já tivesse recebido alguns. Por exemplo, muitos Prémios Nobel não mereciam assim tanto terem sido atribuídos a quem foram; e muitos que o não foram, mereciam. Tem a ver com muitos interesses que nem sempre habitam com a literatura. SI: Gostaria de ganhar um prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? AGB: Aspiro a todos os prémios. Já recebi alguns, mas deixo essa eventual atribuição para os deuses. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? AGB: Trabalhem muito, mas não esperem nada. Sejam críticos do próprio trabalho. |
AutorPedro Maia Histórico
Janeiro 2022
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