Nascido na Amadora (Lisboa) em 1948, António Garcia Barreto é poeta, ficcionista e ensaísta. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, conta com mais de 30 obras publicadas e alguns prémios arrecadados pela sua obra. Para além de escritor, já foi empregado de livraria e, em várias empresas, foi Técnico de Organização e Métodos, Gestor de Recursos Humanos, Gestor de Recursos Humanos e Diretor de Pessoal. Colaborou em vários jornais e revistas, tendo dirigido a "Oficina do Tio Lunetas", uma página infantil do semanário "Notícias da Amadora". António recebe em 1972 o 1º Prémio de Poesia nos Jogos Florais da Manutenção Militar como o poema "Uma Força Vinda do Vento" e, em 1973, recebe o 1º Prémio de um concurso de contos do Diário Popular com o conto "Tio Jeropiga, Tio Manel Pedreiro, Eu, a Mula Bizarra e Companhia". Seu romance "A Malta da Rua dos Plátanos" foi traduzido para russo e o livro "Botão Procura Casa" foi traduzido para braille. Sua obra infantil "Uma Zebra ao Telefone", publicada em 2006, foi incluída no Plano Nacional de Leitura. É membro da Associação Portuguesa de Escritores (nº449) e representado pela Sociedade Portuguesa de Autores (nº5953). É o nosso primeiro convidado da nova rubrica "Entrevistas Interartísticas" e tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer escritor e artista e que, ao longo da rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e a amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela literatura? António Garcia Barreto: Por volta dos 14 anos. Tive contato com livros desde criança. A paixão nunca mais esmoreceu. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? AGB: Não tenho inspirações. É mais transpirações. Tenho a vida vivida, a imaginação, a vontade, o gosto. Surge-me uma frase, uma ideia, um título, um verso e tudo parte daí. SI: Costuma planear um livro? AGB: Não planeio. Um pintor tem uma ideia, uma tela, pega nos pincéis e começa a dar forma à ideia. Às vezes dá, outras não. O escritor faz o mesmo com as palavras. Se vejo que a ideia tem pés para andar (passos curtos), então, traço linhas gerais, tomo notas para desenvolver depois. O romance, sobretudo, exige muitas versões antes de chegar a um todo que me agrade. Sou muito crítico do meu trabalho. SI: Quando tem de/quer escrever, mas não tem ideias, o que fazes? AGB: Quando não tenho ideias, vou à procura delas ou espero que (elas) me acordem. SI: Na sua opinião, qual o papel da literatura na formação das pessoas? AGB: A arte em geral dá corpo e aprofunda o conhecimento, ginastica o cérebro, amadurece as ideias, ajuda ao entretenimento, cria uma outra realidade dentro da realidade existente. A literatura é a arte da palavra. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? AGB:O desejável, diz a experiência, é um contacto com o livro, a leitura (inicialmente feitas pelos pais, ou avós) e escutada pela criança. Motivar. Oferecer livros. Mais tarde, a escola deve continuar esse trabalho de incentivadora da leitura. Não me parece que seja o que está a acontecer atualmente em Portugal, embora haja quem se esforce nesse sentido. Mas tinha de ser um movimento amplo. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? AGB: Uma biblioteca deve ter um catálogo geral para responder aos anseios, curiosidades e dúvidas dos leitores. Pode também ter áreas especializadas em determinados temas. SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? AGB: Que ele desperte o interesse pela sua leitura, inicialmente pelo título, pela capa, pela sinopse da contracapa (falamos de literatura). Depois, é iniciar a leitura, continuar ou largar. SI: Qual é para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? AGB: Uma boa capa valoriza a obra. Anos atrás, as capas eram em geral produzidas por artistas plásticos. Hoje, as editoras adquirem imagens que, muitas vezes, ilustram mal o conteúdo do livro. Talvez devessem apostar mais em designers ou pintores. Uma fotografia nem sempre vale mil palavras. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas"/”impressionistas" ou de capas mais gráficas e arrojadas? (Exemplos: capas de Lesley Pearse vs capas de Murakami) AGB: Gosto de capas que sejam um elo com o texto. Do Murakami, não gosto das capas nem dos livros. SI: Quais são as características de um bom texto? AGB: Leitura fácil e atraente, ortograficamente correto. Frase contida. O texto deve prender a atenção do leitor de modo a mantê-lo interessado até à sua conclusão. Não gosto de textos (ficção literária) que tenham demasiado “enchimento” apenas para tornar o livro mais caro. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? AGB: Prefiro uma escrita que não tenda para o hermético, tentando dar uma pseudoimagem “intelectual” do autor. O fluxo de consciência teve um cultor muito conhecido: Jack Kerouac e o seu livro “Pela estrada fora”. Prefiro personagens bem desenvolvidas em temas com a magia da realidade. SI: Qual a relação entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? AGB: Deve haver uma comunhão entre ambos. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? AGB: Podem ser uma e a mesma coisa; ou podem querer ser personalidades diferentes. Daí a existência de muitos pseudónimos (e.g. O médico Adolfo Correia da Rocha e o escritor Miguel Torga). SI: Como define o seu estilo de escrita? AGB: Realista e mágica tanto como possível. Mas pode depender da obra em si. SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? AGB: Tema que continua delicado. Sempre fui contra o NAO por ter sido imposto pela parte mais forte (os brasileiros), devido à capacidade atávica dos portugueses para se anularem perante os mais fortes. Talvez tivessem pensado que íamos, assim, vender muitos livros portugueses no Brasil. Ora o português falado e escrito no Brasil é diferente do português europeu. Ao contrário do que possa parecer (e para além do facto referido antes), os brasileiros dizem bem de nós na nossa frente e mal nas costas. Nenhum povo colonizado assume uma boa relação com o colonizador. Mas, verdade seja dita, em muitas alterações tiveram razão, pois nós adiamos sempre as questões não-imediatas. Por isso, como continua a estar em vigor esse acordo obrigatório nas escolas portuguesas e no Estado, não faz muito sentido, passados tantos anos, que se escreva com base no antigo acordo, pois a maioria dos alunos (hoje adultos ou ainda em processo de aprendizagem) usa o NAO. SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? AGB: É como ser músico, ator, pintor, arquiteto… Não temos “público”, não temos trabalho que nos remunere. Além disso, não temos agentes literários (há um ou outro) que nos “venda” cá e no estrangeiro, como é normal nos países evoluídos. Mas temos agentes de jogadores e treinadores de futebol, pois é um mercado onde circula muito dinheiro. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a "ghost-writers" para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros" escritores? AGB: Isso existe há muito tempo e não tenho nada contra. Não tem a ver com literatura, mas mais com aspetos biográficos e de promoção pessoal. SI: Que relação deve existir entre o cinema e a literatura? AGB: Toda a que for possível. Mas a obra também deve ter características cinematográficas. São linguagens diferentes. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem manter-se fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? AGB: O original é o original, a adaptação é outra coisa. Mas podem coabitar. SI: Quais as relações possíveis entre a música e a literatura? AGB: Sou ouvinte, mas não sou músico. Mas acredito que seja uma relação possível. Por exemplo, é possível entre a poesia e a música. SI: O que o fascina na poesia? AGB: Na poesia, fascina-me a renovação das palavras e das ideias e do seu sentido. SI: Já pensou alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? AGB: O meu estilo compõe-se de estilos diversos. Se escrever um policial, tenho um estilo; se escrever um romance “puro”, tenho outro ou outros. Se for uma novela juvenil, ainda outro. SI: Se pudesse ser um livro qualquer já escrito, qual seria? AGB: Não quero ser um livro nem a personagem de um livro, mas gosto e admiro muitos livros e vários autores com os quais muito tenho aprendido e deliciado ao longo da vida. SI: Se pudesse ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual seria? AGB: Só quero ser eu próprio. SI: Qual a personagem mais chata que já "leu"? AGB: Personagens não me lembro, mas livros há bastantes. Ficam pelo caminho. SI: Qual o poeta/escritor com quem não vai à bola? AGB: À bola, literalmente falando (mas não só), podia ir com o Ruy Belo, esse grande poeta já desaparecido. Não vou muito à bola com o Saramago, embora tenha um ou dois livros de que gosto. SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? AGB: Os prémios literários pertencem a um mundo difícil de desvendar. Digo-o, embora já tivesse recebido alguns. Por exemplo, muitos Prémios Nobel não mereciam assim tanto terem sido atribuídos a quem foram; e muitos que o não foram, mereciam. Tem a ver com muitos interesses que nem sempre habitam com a literatura. SI: Gostaria de ganhar um prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? AGB: Aspiro a todos os prémios. Já recebi alguns, mas deixo essa eventual atribuição para os deuses. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? AGB: Trabalhem muito, mas não esperem nada. Sejam críticos do próprio trabalho.
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AutorPedro Maia Histórico
Janeiro 2022
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