É poeta e ficcionista e autor dos livros de poesia "(DES)NU(DO)" (2016), "Itinerários" (2018) e "agora (depois)" (2019), bem como da coletânea de contos "Nunca estivemos no Kansas". Escreve a coluna "Alguma coisa em mim que eu não entendo" para a Revista "Vício Velho" e tem contos e poemas publicados em redações como Revista Brasileira (nº94) (da Academia Brasileira das Letras), Escamandro, Gueto, Ruído Manifesto, Mallarmargens, Germina, Revista Ponto (SESI-SP) e InfComunidade (Portugal). Com "Itinerários", vence o I Concurso Literários da Ed.UFPR. Vence também o Prémio Off Flip 2019 com o conto Tetris, bem como Prémio Cidade de Manaus 2020 com o inédito Cartografias. Este último livro também lhe valeu um lugar na final do Prémio Sesc 2017. Mantém os perfis @thassiof (Instagram) e @thassiogf (Twitter). É o oitavo convidado da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas” e tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela Literatura? Thássio Ferreira: Desde que fui alfabetizado que a literatura já me atraía, em suas múltiplas formas e conteúdos. Inclusive no Brasil é comum presentear as crianças alfabetizadas com livros, e um dos que mais me marcou, e que tenho até hoje, é todo em versos rimados. Acredito vir daí meu encantamento com a poesia. Quando conheci a obra de Manuel Bandeira, na pré-adolescência, impactado e identificando-me com o universo bandeiriano, comecei a escrever. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? TF: No momento mesmo da escrita creio que a maior inspiração seja o próprio ritmo da linguagem, uma certa eletricidade em construir algo a dizer que valha a pena ser dito de uma forma própria. Mas as inspirações podem ter infinitas origens. SI: Costuma planear um livro? TF: Meus livros publicados, todos de poemas, tiveram gêneses diferentes. O mais recente, chamado agora (depois), foi o mais planejado: surgiu da ideia de reunir poemas feitos durante e após uma relação amorosa, organizados em ordem cronológica inversa, de modo que a compreensão daquele afeto se desse a partir dos seus descaminhos, até sua origem . O próximo, a sair agora no começo de 2022, intitulado Nunca Estivemos no Kansas, será de contos, e teve um planejamento definido ao longo das reescritas, no sentido de escolher quais textos entrariam e em qual ordem, buscando intensificar as notas políticas do todo e o encadeamento e agrupamento das narrativas. SI: Quando têm que/querem escrever, mas não têm ideias, o que fazes? TF: Muitas vezes reviso textos já existentes, para aprimorá-los, ou recorro a anotações antigas, fragmentos, ideias guardadas que podem ser usadas num momento de escassez. Outras vezes simplesmente começar a rascunhar algo já ajuda a destravar o processo criativo. SI: Na sua opinião, qual o papel da Literatura na formação das pessoas? TF: Pode ser variado. Em especial, creio que pode contribuir para o exercício do inconformismo, a partir do estímulo à imaginação, e da empatia, permitindo que se trave contato com e se valorizem realidades diversas das nossas. Também há um papel muito relevante de enriquecer nossos modos de pensar a realidade, a partir do contato íntimo com a linguagem, com as formas diversas de organizar e expor o pensamento. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? TF: Creio que a partir de sua desmistificação. Tirando-a de certo pedestal a que foi alçada ao longo do tempo. Incentivando a leitura do que, num primeiro momento, mais interessar àquela pessoa, mesmo que não seja considerado de alto valor literário, mas que é uma porta de entrada. Vale notar também que segundo estudos de psicologia o grupo de amigos é a maior fonte de influência sobre nosso comportamento, então os que leem podem e devem incentivar seu círculo de amizades a partir desse lugar de afeto, de forma natural. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? TF: Não acredito em categorizações absolutas. O tipo de obra que não deve faltar numa biblioteca é o que interessar ao público daquela biblioteca. SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? TF: Cambiantes. Posso me atrair por conhecer o/a autor/a, pela capa, por uma resenha ou indicação de amigos, por ter folheado a obra e me interessado. SI: Qual é para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? TF: A capa não é fundamental ao livro, mas funciona como um cartão de visitas capaz de atrair mais leitores e até mesmo ampliar a experiência a partir do diálogo entre sua imagem única e o conteúdo mais extenso do miolo. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas"/”impressionistas" ou de capas mais gráficas e arrojadas? (Exemplos: capas de Lesley Pearse vs capas de Murakami) TF: Não tenho predileção específica. Acredito que a capa deve dialogar com a obra, mas assim como literaturas de variados tipos me atraem, também capas de variados estilos. SI: Quais são as características de um bom texto? TF: De novo, não existe resposta única. Textos podem ser bons conjugando características diversas. Particularmente, me inclino a textos mais limpos, sem palavras que de pronto meu olho identifica como desnecessárias à compreensão ou ao efeito estético, e que tragam uma linguagem menos denotativa, mais inusual, seja na construção de metáforas, na sintaxe ou em quaisquer outros elementos — tenho horror a clichê. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? TF: Depende de como cada uma é construída. Abstratamente, prefiro um estilo mais psicológico, porém há escritas nesse diapasão que redundam insuportáveis de chatas, enquanto outras mais prosaicas arrancam belezas acachapantes do cotidiano. SI: Qual a relação a entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? TF: Essa relação vai ser determinada pelo/a autor/a. Alguns escolhem destacar a própria persona como elemento de sua “ obra” num sentido mais amplo, o que nem mesmo é tão recente, vide Oscar Wilde. Outros preferem o caminho inverso, de quase apagamento de si em favor do texto. Não creio que exista uma hierarquia entre as duas posições, embora eu particularmente me interesse mais pelos textos que pelos escritores, e me canse o grau elevado da “cultura da celebridade” que vivemos atualmente. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? TF: De novo, cada autor/a vai estabelecer uma relação própria entre essas personas. O interessante é notar que não existem pessoas puras, no sentido de despidas de um caráter performático. Só somos nós mesmos, num sentido absoluto, quando estamos sozinhos. Toda interação humana é performática. SI: Como define o seu estilo de escrita? TF: Prefiro justamente não definir. SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? TF: Algumas mudanças me parecem prejudiciais por gerar confusão, como a retirada de alguns acentos e do trema, porém não tenho conhecimento suficiente do uso do português na comunidade lusófona para analisar o acordo como um todo. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros" escritores? TF: A ideia de verdadeira literatura/verdadeiros escritores encerra uma arrogância perigosa. Pessoas que se tornaram famosas por outros motivos podem se revelar boas produtoras de literatura, assim como ghost-writers podem fazer um trabalho interessante, a depender do tema e contexto, sem desmerecer outros que assinam livros com o próprio nome. SI: Que relação deve existir entre o Cinema e a Literatura? TF: Todas as formas artísticas se influenciam e enriquecem mutuamente. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? TF: Cada obra segue uma lógica própria, assim como cada linguagem artística possui suas especificidades. Logo, adaptações de uma obra para outro formato, ou releituras de uma obra anterior não precisam, a meu ver, ser fiéis ao original. Precisam é ser boas, dentro daquilo a que se propõem. SI: Quais as relações possíveis entre a Música e a Literatura? TF: De novo, todas as formas artísticas se influenciam e enriquecem mutuamente. Em especial, neste caso, é interessante notar como técnicas musicais podem ser aplicadas à literatura, especialmente à poesia, assim como certas obras literárias podem migrar de maneira mais completa, ou menos problemática, para a música. SI: O que te fascina na poesia? TF: O inusitado, o dizer de um jeito exótico à lógica puramente racional-comunicativa. SI: Já pensaste alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? TF: Na verdade estou constantemente exercitando diferentes estilos de escrita. SI: Se pudesses ser um livro qualquer já escrito, qual serias? TF: "Água Viva", de Clarice Lispector. SI: Se pudesses ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual serias? TF: Talvez Santiago, da novela "Pela Noite", de Caio Fernando Abreu. SI: Qual o personagem mais chato que já leste? TF: Difícil responder. Provavelmente, por ser tão chato, não terminei de ler e o esqueci. SI: Qual o poeta/escritor com quem não vais à bola? TF: Não me ocorre nenhum nome que valha a pena mencionar, inclusive porque, como pontuei acima, acredito que a leitura deve ser praticada respeitando-se os gostos diversos das pessoas, então se algum autor não me agrada, simplesmente não leio. Não entendo nenhuma obra como imprescindível. SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? TF: Prêmios têm a utilidade de revelar novos nomes ou chancelar obras ou escritores, o que é interessante tanto para o público quanto para nós que escrevemos, e muitas vezes temos dificuldade de dar visibilidade a nossas obras, ou mesmo termos uma validação externa de que estamos fazendo um bom trabalho. Financeiramente também há prêmios relevantes que ajudam escritores/as a se manter e produzir. O adequado dimensionamento de sua importância, não os tomando como legitimação absoluta ou como farol único, é tarefa tanto de cada um quanto de estruturas como imprensa, academia, livrarias e bibliotecas, etc ... SI: Gostaria de ganhar algum prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? TF: Quaisquer prêmios seriam bem vindos, mas seria especialmente gratificante receber algum dos prêmios dedicados à literatura em língua portuguesa, como o Jabuti, no Brasil, ou o Oceanos, que abrange toda a lusofonia. Porém minha aspiração maior é a de realizar boa literatura e que ela encontre leitores interessados e que a ela se conectem. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? TF: Escrevam, revisem, não tenham pudor ou dó de cortarem, mostrem seu trabalho a outros, para que o critiquem e enriqueçam, e estudem. Hoje em dia há diversos cursos e oficinas muito úteis para expandir nossa visão e nossos modos de escrita.
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AutorPedro Maia Histórico
Janeiro 2022
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