Nascida em Vila Nova de Famalicão em 1999, Vera Carvalho é poetisa com obra já publicada. Licenciada em Línguas e Literaturas Europeias e frequenta o mestrado em Espanhol Língua Segunda/Língua Estrangeira na mesma academia. Almeja ser professora e dar o seu contributo para a revolução no ensino português. Começou a interessar-se desde cedo por livros e, aos 14 anos, começou a escrever poesia e pelo mesmo género se apaixonou. Em 2019, publica a sua primeira coletânea intitulada de “Eterno Inferno”. Através da Edições Vieira da Silva, integra em 2020 a antologia “Sentidos Despertos”. Integrou neste ano de 2021 a antologia “Poesia dos dois lados do Atlântico”, publicada pela editora Artelogy. Durante a pandemia, foi o cérebro por detrás da criação do projeto "Poesia para Ti" e do podcast “Conversas de Café”, projetos estes dedicados à Literatura e Arte. É a terceira convidada da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas” e a segunda membro do "Sarcasmos Irónicos" a integrar este ciclo de entrevistas, pertencendo ao leque dos membros mais antigos do Sarcasmos. Tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer escritor e artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e a amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando ganhou interesse pela literatura? Vera Carvalho: Desde criança que sempre tive esse encanto e esse gosto pela leitura. Lembro-me que tinha o hábito de ler coleções de livros e que não descansava enquanto não terminava a leitura. Depois, esse hábito meio que se foi perdendo e eis que, entre os meus 14/15 anos, decidi experimentar escrever um poema. Desde aí que não larguei mais esse mundo literário e todo esse universo encantador. Inclusive, voltei recentemente ao hábito da leitura e estou a adorar tanto. Faz-me (re)descobrir não só como pessoa, mas também como escritora. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? VC: Depende muito… Há fases e fases. Há fases em que nada me inspira e outras em que basta ver/ouvir uma palavra, uma música, uma frase e pensar logo em todo um poema que poderia escrever sobre esse conceito. Mas, normalmente, o que me inspira são pequenas palavras que acabo por ler por aí ou, então, músicas que ativam as minhas emoções e me fazem relembrar coisas que já senti ou até mesmo que vivi com alguém. SI: Costuma planear um livro? VC: Geralmente, tenho essa mania, sim. Gosto de organizar tudo, que tudo seja coerente e faça sentido, mas que, principalmente, consiga passar uma mensagem ou uma aprendizagem para as pessoas. SI: Quando tem de/quer escrever, mas não tem ideias, o que faz? VC: Eu acho que esta é a pergunta que mais inquieta qualquer Artista, mas, no fundo, eu penso que não há uma fórmula mágica. É só mesmo aceitar que estamos nessa fase menos inspiradora, talvez monótona, acabando por ser frustrante. Mas temos de aceitá-la e não nos forçar a escrever. Acredito que “procurar” inspiração pode ainda resultar em mais frustração nesse processo, mas eu diria que ler, descobrir novas músicas, sair e viver a vida são assim os principais “remédios” que, para mim, “curam” a minha falta de inspiração. SI: Na sua opinião, qual o papel da literatura na formação das pessoas? VC: Talvez muitos ainda duvidem e questionem qual é, de facto, a importância desta Arte na vida e até mesmo na formação das pessoas. Sou bastante crítica quanto a isto, porque, mesmo que não fosse escritora/poetisa, acho que teria um mínimo de senso para admitir que a literatura tem uma grande influência na nossa vida. De tantas das suas vantagens, eu diria que ela nos salva da ignorância, porque tem a capacidade de nos oferecer inúmeros conhecimentos, diferentes perspetivas e a possibilidade de “viajar” sem ter necessariamente de sair de onde estamos. Já para não falar que é importante em termos académicos e profissionais. Uma vez que, indiretamente, ela melhora o nosso vocabulário (e, consequentemente, a nossa maneira de falar e de ver o mundo), mas também melhora a nossa capacidade de escrita. Há tantas vantagens que eu iria precisar de escrever um testamento nesta pergunta para falar sobre este tema. Mas resumindo, a Literatura é cura. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? VC: Acho que, neste aspeto, depende de pessoa para pessoa. No meu caso, eu lembro-me que a minha professora de português do 6º ano nos motivava bastante a ler e que, para isso, nos explicava as vantagens que isso tinha. Eu decidi experimentar e começar a ler e a ler e comecei a notar que melhorei bastante a minha escrita e que não dava quase erro ortográfico nenhum nos meus textos ou em testes que exigiam tal. É algo indireto e é o efeito que a leitura tem nas pessoas. Mas acho que vai de cada um. Uma pessoa pode saber perfeitamente as vantagens da leitura e, mesmo assim, não gostar de ler e achar aborrecido. Claro que acho sempre que não há desculpas para não ler. Sempre se arranja 10/20 minutos para se ler. Acho que é só uma questão de começarem a ler e perceber aquilo que gostam ou não. Depois, é uma ida sem volta quando perceberem que é incrível algumas histórias, livros e escritas. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? VC: Acho que todas as obras devem estar numa biblioteca, mas acho que isso seria impossível. De qualquer maneira, não acho que nenhum livro deve ficar de fora por motivos estúpidos, isto é, ou porque tem muitos palavrões ou porque fala de algum assunto que não convém falar em determinado sítio… Enfim. Acho que todos os livros terão a sua importância para o mundo. SI: Quais são os seus critérios na escolha de um livro para ler? VC: Não sigo nenhum critério em específico e também não sigo modas nem tendências. Compro o que me parece que tem uma história interessante e que me pareça que pode ensinar uma lição de vida ou mudar a minha perspetiva da realidade. SI: Qual é para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? VC: Acho que uma boa capa atrai sempre leitores, é claro. As cores, o tipo de letra que destaca o próprio título, os contrastes, tudo na capa… É aquela primeira impressão que nos vai dar do livro. Portanto, é meio que “obrigatório” ter em atenção a construção de uma capa quando se é escritor, mas claro que nem sempre uma capa define um livro pela sua qualidade de escrita ou pelo que se possa encontrar no seu interior. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas”/“impressionantes” ou de capas mais gráficas e arrojadas? VC: Depende… Tem vezes que aprecio bastante capas simples, mas que, com isso, conseguem ainda mais deixar a curiosidade para a história do livro. Tem outras com mais detalhes e mais elementos que me cativam bastante, mas que, às vezes, nem gosto tanto do que fala o livro. Enquanto escritora, sou adepta da simplicidade, de pouco detalhe e de um contraste que, no fundo, acaba por ter bastante sentido com a história do livro. SI: Quais são as características de um bom texto? VC: Para mim, um bom texto é aquele que consegue fazer uma espécie de “jogo” com palavras básicas que parece que quer dizer aquilo, mas que tem por detrás outras mensagens implícitas. É como se fizesse uma brincadeira com as palavras que vão levar o leitor a pensar duas vezes: “Será que é isto que o autor quer dizer?”. Assim, dá também ânimo para várias interpretações, o que torna o texto, o excerto, o poema ainda mais interessante. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? VC: Não aprecio muito uma escrita mais quotidiana… Acho que é um estilo mais “fácil” de escrever e de agradar o público, mas, como disse anteriormente, a mim, cativa-me mais uma escrita que dá que pensar. SI: Qual a relação entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? VC: Acho que isso é uma decisão que depende de cada autor. Há uns que preferem manter distanciamento e escrever algo que não lhes seja associado diretamente. Há outros que refletem totalmente aquilo que são, pensam ou sentem nas suas obras. Eu defendo pessoalmente que não tem de haver um “distanciamento” entre esses dois aspetos. Na verdade, até acho que deve haver um fio condutor entre ambos. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? VC: Tanto podem não ter nada a ver entre si, como também podem ter tudo a ver entre si. Acho que o autor é que acaba por escolher o que mais lhe convém: se prefere revelar a sua entidade tal e qual (ou parte dela) ou se, inclusive, a prefere refletir através de outra entidade. Acho que cada Artista deve fazer o que mais lhe parece cómodo ou interessante para ele. SI: Como define o seu estilo de escrita? VC: Eu diria que é um estilo acessível, apesar de eu escrever poesia. Digo isto porque não escrevo muitos termos complexos e difíceis. Porém, por detrás das minhas palavras, sempre há uma dupla perspetiva, ou seja, nem tudo significa o que aparentemente se lê à primeira vez e, por isso, encontrei na poesia a sua graça. Com poucas palavras se pode dizer tudo… SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? VC: Não tenho toda uma opinião formada sobre isso. Simplesmente sigo escrevendo como me apetece sem estar a preocupar-me muito com erros ortográficos. Sendo escritora, penso que ainda tenho um pouco de liberdade para escolher como quero escrever. Não digo que se deve escrever com erros, mas também nem tudo tem de se seguir à risca, porque até mesmo algumas regras não têm fundamento. SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? VC: Não é, simplesmente. Qualquer um que escreva um texto que diga “Hoje as estrelas no céu fizeram-me lembrar de ti” é um grande escritor e é assim que o “povo” vai escolhendo os “representantes” da nossa literatura atual. Conheço tantas pessoas a escrever e a revolucionar(-se) na escrita de diversas maneiras que, se Portugal tivesse a capacidade e inteligência para ler tais escritos, ficaria boquiaberto com tanto talento. Mas, infelizmente, não. A “escrita-chiclete” prevalece por cá. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os verdadeiros escritores? VC: Se isso for feito nos termos corretos e legais, não acho que haja nada de mal. Ou seja, dar os devidos créditos à verdadeira pessoa que escreveu aquele livro. Já que não quer revelar a verdadeira entidade, que deixe logo de início ou ao longo do livro que aquilo foi escrito por outra pessoa a mando de fulano “x”. Afinal, nem todos os escritores querem ser reconhecidos ou ver a sua entidade a ser imediatamente revelada por algum trabalho em específico que lhes foi pedido. Mas não acho que isso acaba por matar a literatura. Afinal, nem toda a gente nasceu com essa capacidade de escrita e para isso existimos nós. SI: Que relação deve existir entre o cinema e a literatura? VC: Pode ser interessante esse vínculo que se estabelece entre as duas Artes se, de facto, houver uma correta adaptação de, por exemplo, uma obra literária para uma obra cinematográfica. Na maioria das vezes, acabam por distorcer a realidade ou o real seguimento dos acontecimentos do livro quando decidem passar para um filme e isso não está certo. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? VC: Se o autor da obra autorizar a modificações para esses remakes e adaptações e, se essas tais modificações fizerem sentido na história original sem alterarem a obra original, então, por mim, está tudo bem. Agora, não acho justo fazerem alterações sem sentido que acabam por prejudicar a obra original, porque, depois, quem vai a ler a obra original não tem a ideia que viu nos remakes e acabará por haver duas ideias diferentes em que a mais interessante prevalecerá aos olhos do leitor. SI: Quais as relações possíveis entre a música e a literatura? VC: Creio que, de alguma forma, a literatura acaba por estar associada à música e vice-versa. Há músicas que parecem ser autênticos poemas e textos/poemas que têm uma certa sonoridade que encaixaria perfeitamente numa melodia. Já para não dizer que a música acaba por ser a principal fonte de inspiração para quem escreve. Há melodias, ritmos e, inclusive, letras de músicas que inspiram muitos Artistas a escrever, pintar, desenhar… SI: O que o/a fascina na poesia? VC: O facto de, com algo muito simples, se conseguir dizer as coisas mais complexas que, por si só, levam a inúmeras interpretações. SI: Já pensou alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? VC: Não propriamente… Às vezes, vou escrevendo um texto aqui e acolá ou artigos sobre a minha área de estudo, mas, de resto, penso que já não consigo ver outra maneira de me expressar que não seja através da poesia. SI: Se pudesse ser um livro qualquer já escrito, qual seria? VC: Para levantar um bocado o véu, acho que seria o meu próximo livro que ainda está em processo de construção… A verdade é que se trata de um conceito em que cada poema tem um pedacinho meu, uma característica, um defeito, uma qualidade, um sentimento, algo que seja característico meu e que talvez pouca gente verdadeiramente conheça de mim… Mas, não sendo propriamente justo e referindo um livro de outro autor, eu diria que seria o livro de Maria Teresa Horta. Reflete os seus pensamentos enquanto mulher, fala do amor, dos relacionamentos e do conceito de beleza… tudo isto de uma maneira bastante simples, mas fascinante. Releva também muito da sua personalidade determinada, o que é um dos aspetos que mais me encantou no livro. O próprio título define muito aquilo que todos temos: “estranhezas”. SI: Se pudesse ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual seria? Não acho que queria ser alguma personagem de história alguma por aí. Tem sempre algum aspeto que não defendo ou na qual não me revejo, mesmo que os seus atos ou intenções tenham sido os melhores. Personagem é isso mesmo: algo inventado e, por vezes, fictício. SI: Qual o personagem mais chato que leu? Que eu me lembre das minhas leituras, não considerei nenhum a esse ponto assim… SI: Qual o poeta/escritor com quem não vai à bola? Aqueles que acabam por cair na banalidade de escrever para agradar o público e que, por isso, escrevem com uma escrita básica, banal e “chiclete”. Não inovam, escrevem palavrões só para parecer rebeldes e arrojados, mas o que acaba por parecer é que vão à internet pesquisar frases aleatórias e acabam por as reescrever de outra maneira, mais “à português” para atrair público. Acho que o número de vendas não deveria ser tudo, mas, infelizmente, todo esse sistema da indústria da Literatura está ainda muito mal em Portugal… Sophia Mello de Breyner, Fernando Pessoa, Luís de Camões, Eça de Queirós… Esses sim, ficariam desiludidos com o rumo que a nossa literatura parece levar… SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? Digo isto para tudo na vida: classificações e prémios não definem talento. Não é porque ganham prémios e são bastante reconhecidos que são melhores que os outros. SI: Gostaria de ganhar algum prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? Não penso nisso sequer. Se, algum dia, ganhar algum prémio, muito bem. Se não, também não fico desiludida com aquilo que faço ou estarei a fazer no momento. Tenho consciência daquilo que sou e daquilo que faço e acho que, no fundo, isso é o mais importante. Não é um prémio que irá mudar algo. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário”? Para nunca desistir da Literatura, porque, no final, isso valerá a pena. Nem que seja para nos fazer crescer e ganhar uma bagagem de vida, experiências e aprendizagens incríveis e únicas.
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AutorPedro Maia Histórico
Janeiro 2022
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