Nasceu no Barreiro a 8 de Maio de 1970 e vive atualmente em Alcochete. Iniciou a sua atividade literária em 2007, vindo a publicar um livro de poesia por ano, até 2011. Em 2012, a sua carreira literária toma outro rumo ao descobrir e percorrer o Caminho de Santiago. Essa paixão reflete-se no primeiro livro de prosa que publica, em 2013, "Entre o Silêncio das Pedras", que já conheceu 3 edições, tendo também tido uma edição brasileira em 2015 e desde 2021 lançado na Polónia. Depois deste romance, publicou "Diário de Xavier Lopes", em coautoria o livro "Olhares de um peregrino de Santiago" e, em 2016, "O Peregrino", romance reeditado pela Ego em 2020. Em 2018 publicou o seu primeiro thriller, intitulado "A Sombra da Verdade". Em 2020, publica o romance “Porque Caminhas?” e, já em 2021, é reeditado o livro do diário com o título “O Teu Caminho”. A sua dedicação ao Caminho de Santiago já lhe valeu diversas homenagens na Galiza e em Portugal, onde é unanimemente conhecido como o maior autor de ficção sobre este tema. É o sexto convidado da nossa rubrica “Entrevistas Interartísticas” e tem a amabilidade de responder a 30 perguntas que inquietam qualquer artista e que, ao longo desta rubrica, vão ser colocadas a vários escritores e artistas. Agradecemos a disponibilidade e amabilidade do nosso entrevistado em responder a tais perguntas inquietantes. Sarcasmos Irónicos: Quando é que ganhou interesse pela literatura? Luís Ferreira: Desde pequeno que gosto de ler. Recordo-me de alguns clássicos e de outros livros mais de aventuras, que preenchiam a minha imaginação, envolvendo-me na história, fazendo-me sentir como se fizesse parte do enredo. Todos eles de certa forma alimentaram a minha infância e juventude e não descansava até os dar como completamente lidos, devorava-os. Com isso também fui alimentando o desejo de escrever certas coisas, alguns textos, alguns poemas, lembro-me de até de ter criado um jornal e até mesmo livro com diversas folhas cozidas e fingir que era um escritor. SI: Quais são as suas inspirações quando escreve? LF: Depende muito do momento e do que estou a escrever ou a pensar em escrever. Contudo, estando as minhas obras ligadas ao Caminho de Santiago, penso que existe, sem dúvida, aquele momento em que estou no Caminho propriamente dito e tudo flui melhor, tenho tempo para pensar, colocar as ideias em ordem e até encontrar algumas fontes de inspiração para construir futuros livros. Dizer com isto, que a melhor fonte de inspiração surge sempre quando ando com a mochila às costas e quando estou no meio que cria cenários para as minhas histórias e com tudo isso basta deixar-me envolver pela rota. Depois também pode surgir inspiração daquela conversa ocasional que origina um clique, ou aquela pessoa que passa por nós e tem características muito próprias, aquela paisagem que contagia, aquele momento de silêncio que vale ouro. SI: Costuma planear um livro? LF: Tenho esse cuidado. Gosto de planear, organizar, de estabelecer um pequeno guião, mas ao longo do processo criativo sou, direi, um pouco indisciplinado e fujo muitas vezes ao estabelecido, há sempre novas ideias que surgem. Por isso e conhecendo-me, gosto de planear antes, de forma a orientar-me e não me perder em demasia. SI: Quando têm que/querem escrever, mas não têm ideias, o que fazes? LF: Não forço, o melhor é mesmo deixar para uma outra altura, aproveitar para descansar, para reler o que está feito (às vezes serve de fio condutor para o regresso das ideias). No fundo, procuro fazer outra coisa e esperar por um melhor momento, que seja mais produtivo. Não gosto de estar preso numa folha branca, para mim isso é assustador, mas estar a forçar é bem pior, nunca origina boas ideias e até desgasta. SI: Na sua opinião, qual o papel da literatura na formação das pessoas? LF: Existem vários motivos que evidenciam a importância da leitura na formação das pessoas, apesar de na minha opinião, serem muito desvalorizados e talvez por isso, cada vez mais, se ler menos. Com isto quero dizer, que desvalorizamos o papel da literatura nas nossas vidas. A cultura é algo que sinto que tem tendência a se degradar, exatamente pela perda de informação e de conhecimento que os livros possibilitam, e acabamos por ficar muito fechados e crentes naquilo que outros nos querem fazer crer. Existem bastantes benefícios na literatura, que contribuem para o desenvolvimento intelectual das pessoas, em resumo direi que através da literatura falamos e escrevemos melhor, aumentamos o nosso repertório de vocábulos, melhora sem dúvida o nosso poder de argumentação, a nossa imaginação e cria uma melhor capacidade de reflexão. Muitos dirão que não, lá está, porque não leem. SI: Como devemos despertar o gosto pela leitura nas pessoas? LF: Algo que deveria mesmo ser seriamente refletido para alterar o paradigma que mencionei na pergunta anterior. Há um grande trabalho, na minha opinião, que deve ser feito por diversos setores. A começar nas famílias, onde deveria haver tempo para recuperar alguns hábitos, como contar uma história a um menor, como dedicar mais tempo à criação de hábitos de leitura em família (não esquecer muitas vezes que o exemplo vem dos pais) ou como oferecer mais livros. Depois os meios de comunicação social como a televisão, possuem uma grande tarefa e que muito poderia auxiliar neste campo, ou seja, apresentar grelhas de programação onde existissem mais programas culturais, mais programas virados para os livros, que pudessem passar em horários nobres, em canais com mais visibilidade (os principais), substituindo os Big Brothers desta vida, que nada acrescentam. Outro setor é a escola, atualmente a visão que tenho é que os alunos não sentem as obras que leem, não ganham o gosto pelas mesmas e encaram ler um livro como mera obrigação. Seria necessário encontrar um outro caminho, outros métodos de passar a mensagem, de forma a alimentar a consciência dos jovens e fazer despertar a vontade para uma leitura natural, com gosto. Esta pergunta é daquelas que não se esgota na resposta e onde acredito que existe um vasto campo para explorar, para refletir e urge fazer essa reflexão o quanto antes de forma a recuperar esse gosto. SI: Que tipo de obras não devem faltar numa biblioteca? LF: Todas os livros são importantes numa biblioteca e quanto mais áreas de conhecimento abrangerem, mais irão satisfazer o(s) leitor(es), até porque somos todos diferentes. Pelo que e respondendo à pergunta diria que todo o tipo de obras deveria constar numa biblioteca. No entanto, pelo sei, no campo da literatura propriamente dita, começa a existir alguma carência, criada por diversos motivos, por exemplo os livros mais técnicos começam a substituir os da área das letras, muitas vezes tem a ver com os investimentos e escolhas das próprias bibliotecas. No entanto, isso é para uma outra reflexão que deveria, na minha opinião, também ser feita. SI: Quais os seus critérios na escolha de um livro para ler? LF: Acima de tudo o tema do livro (o que procuro ler no momento, ou com aquele assunto que mais me identifico), o autor (se conheço ou não), a sinopse (se responde áquilo que procuro) e uma boa capa (que não sendo o mais importante, às vezes pode captar a minha atenção e fazer a diferença). SI: Qual é a para si a importância de uma boa capa? Acha que uma bela capa atrai leitores ou acha que estraga a obra? LF: De certa forma acho que foquei isso na resposta anterior, na minha perspetiva uma boa capa acredito que chame a atenção do leitor, direi mesmo que pode ser aquele cartão de visita ou primeira impressão. O aspeto visual é sempre algo que chama a atenção do consumidor, por isso há bons livros, que devido a não terem uma boa capa acabam por perder e serem desvalorizados e o inverso também, onde a capa é melhor que o conteúdo. SI: Gosta de capas mais bonitas e “românticas"/”impressionistas" ou de capas mais gráficas e arrojadas? (Exemplos: capas de Lesley Pearse vs capas de Murakami) LF: Depende muito do livro. Considero as capas dos livros de Murakami (abro aqui um parênteses para dizer que ainda não li nada dele), como refere a pergunta são arrojadas, simples, acabam por isso por se tornarem desafiantes, direi até mesmo criam um certo mistério que envolve a obra e com isso tornam-se atrativas. As capas mais românticas acabam, face à sua conceção mais gráfica, fotográfica, por chamar mais a atenção do leitor, também são elaboradas tendo por base um grande trabalho de marketing respondendo assim aos desejos do mercado ou da sociedade e com isso conquistam. SI: Quais são as características de um bom texto? LF: Um bom texto acima de tudo deve prender o leitor, deve saber conduzir e passar claramente a mensagem, sem muitos rodeios e ser fluente. Deve conseguir transportar o leitor, de o fazer viajar através das palavras. Depois num campo mais técnico, direi que não deve ter erros ortográficos, nem erros de coesão e de pontuação. SI: Prefere uma escrita mais psicológica (estilo fluxo de consciência) ou uma escrita mais quotidiana? LF: Sou mais adepto da escrita mais quotidiana, identifico-me mais. Direi que prefiro ler algo que se aproxima mais da realidade, onde sou capaz de ser mais facilmente transportado para o enredo. SI: Qual a relação a entre o autor e a obra? Deve haver um distanciamento ou uma comunhão entre ambos os “polos”? LF: Direi que acima de tudo tem muito a ver com as próprias caraterísticas do autor e com aquilo que ele pretende passar na obra. Sou capaz de enumerar exemplos de autores para cada um destas situações. Na minha opinião acho que o ideal seria existir um pouco de ambos, nem tão afastado, nem tão próximo. Eu, pessoalmente, e contra mim falo, também face ao que escrevo, sou um autor muito próximo, até em demasia, às vezes. Mas é esta diversidade entre autores, que provavelmente torna interessante este mundo da escrita, por existirem diversas formas de estar e fazer, sendo que o mais importante é cada um se sentir bem. SI: Qual a relação entre o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional? Podem ser a mesma pessoa ou precisam de personalidades diferentes? LF: Numa situação normal, penso que o autor-pessoa e o autor-entidade ficcional devem ser a mesma pessoa. Para mim faz todo o sentido que assim seja, assumir a sua própria natureza e as suas próprias ideias. No entanto, cabe a cada um estabelecer as regras da sua forma de estar e ser, por isso aceito, que existam casos em que o autor-entidade ficcional por vezes predomine. Essa decisão de estabelecer uma personalidade diferente pode passar por uma espécie de defesa pessoal onde não se queira mostrar o seu eu. Podem existir até diversas razões para isso, por exemplo a existência de alguns receios quanto a possíveis retaliações muito derivadas de comportamentos de um certo meio social onde o autor esteja integrado. Mas como referi, cabe a cada um decidir. SI: Como define o seu estilo de escrita? LF: Confesso que continuo a procurar o meu estilo de escrita, comecei por poesia, fui para a prosa e mesmo aí, já escrevi em estilos diferentes. É verdade que nos últimos anos o “Caminho de Santiago” tem sido o tema principal da minha escrita, mas ainda não consegui estabelecer-me. Neste momento começo a concentrar-me na escrita de viagens. SI: Que pensa do tão polémico Novo Acordo Ortográfico? LF: Inicialmente fui contra, atualmente e passado todos estes anos questiono-me se fará sentido pôr isso em causa e o Novo Acordo é algo que já me habituei a conviver. Temos que ver que durante todo este tempo os livros começaram a ser publicados com a nova grafia (sendo que ainda há naturalmente exceções), o AO é usado na generalidade da Comunicação Social, nas grandes empresas e organismos, na generalidade dos documentos legais, para não falar dos manuais escolares e no próprio ensino são muitas as crianças que não conhecem outra forma de escrever, por isso acho não justificaria um retrocesso. Não podemos esquecer que a língua portuguesa sofreu muitas reformas ao longo dos tempos, esta portanto é mais uma (polémica como a maioria de todas as mudanças). Claro que isto não inviabilizaria uma reflexão séria sobre a questão, algo que sempre faltou ao longo deste processo e quem sabe, promover ainda alguns ajustes que sejam necessários. SI: Como é, na sua opinião, ser escritor em Portugal? LF: Direi que ser escritor em Portugal é muito difícil mesmo. Para mim, como autor é até mesmo uma loucura, onde apenas a teimosia leva a tentar remar contra a maré, sendo que há várias razões para isso. Por um lado, uma questão do mercado, com a grande invasão de autores estrangeiros, em que a responsabilidade vai por inteiro para as nossas livrarias. Depois, como já foi referido noutra pergunta, a perda de hábitos de leitura por grande parte da população e por fim, seja em resultado de fortes campanhas de marketing (construção de Tops por exemplo), seja por determinada escrita responder a um vazio e necessidade de grande parte das pessoas (a chamada escrita cor-de-rosa), emergem determinados escritos, que são sobrevalorizados levando a que os restantes não tenham qualquer espaço no mercado. SI: Que acha de pessoas famosas escreverem livros ou pagarem a ghost-writers para o fazer? Acha que isso mata a literatura e os “verdadeiros” escritores? LF: Conforme já referi, o marketing tem muita influência no atual mercado livreiro. Naturalmente quanto mais famosa for a pessoa, mais poderoso e agressivo se torna esse aparelho. É também verdade e do conhecimento generalizado, que muitos pagam a ghost-writers para escrever e com o suporte das editoras montam-se Tops de vendas e tudo isto leva a que muitos dos livros dos “verdadeiros” autores sejam ignorados, esquecidos e até mesmo percam espaço nas próprias livrarias, o que é grave. Não podemos esquecer que são os leitores que acabam por fazer as suas escolhas, em consciência ou influenciados e que acabam por optar ao comprar certos livros em detrimento de outros e que determinam o caminho da literatura em Portugal. Acredito que há espaço ou deveria haver espaço para todos, mas os pratos da balança estão desequilibrados, se existe capacidade de sobrevivência para alguns autores remeto a decisão final para os leitores. SI: Que relação deve existir entre o cinema e a literatura? LF: A relação entre o cinema e a literatura nem sempre acontece da melhor maneira, pois por vezes há alguma distorção das obras literárias na sua adaptação para o cinema, e tudo o que é demais acaba por estragar, mas também temos bons filmes com boas adaptações, pelo que defendo que deva existir uma relação de proximidade entre as duas artes. SI: O que pensa dos remakes e das adaptações? Devem-se manter fiéis ao original ou devem dar um caminho diferente ao enredo? LF: Conforme referi anteriormente, às vezes existe uma distorção de tal forma, que nem é bom para o livro, nem para o filme. Aceito a liberdade do realizador, mas com o devido cuidado para não prejudicar a obra original. Em resumo, gosto e aprecio mais quando se consegue ter o melhor dos dois mundos, conseguindo o seu espaço criativo na película e sendo fiel ao livro em simultâneo. SI: Quais as relações possíveis entre a música e a literatura? LF: A relação entre a música e a literatura é muito próxima, basta ver que em 2016 Bob Dylan venceu o prémio Nobel da Literatura, que de acordo a secretária-geral da Academia Sueca por “ter criado novas expressões poéticas no âmbito da música norte-americana”. A poesia é por isso o grande exemplo, pois muitos foram e são os autores que escrevem letras para fados e canções. SI: O que te fascina na poesia? LF: O que me fascina na poesia é que apesar de serem palavras que constroem a poesia, estas conseguem significar mais do que a sua verdadeira expressão. Direi que a poesia está para além daquilo que o escritor/poeta tenta transmitir, pois cada leitor consegue “sentir” essas palavras de forma diferente, porque a poesia consegue preencher cada ser e “abraçar” o coração de cada um de forma diferente, para mim, provavelmente o estilo com maior riqueza. SI: Já pensaste alguma vez em escrever em outro estilo? Se sim, qual? LF: Conforme referi anteriormente, ainda estou à procura do meu estilo, sendo que penso nisso com alguma frequência, nomeadamente após a edição de cada livro. Já tentei o “género policial”, a poesia, o romance, o conto e até já fui convidado para escrever para o teatro (reconheço ai as minhas fragilidades) e agora ando a caminhar no sentido da escrita de viagens. SI: Se pudesses ser um livro qualquer já escrito, qual serias? LF: Nunca pensei sobre este assunto, mas agora, assim de repente, escolho o “Velho e o Mar” de Hemingway sempre foi um dos meus livros preferidos. SI: Se pudesses ser uma personagem de um clássico ou não-clássico, qual serias? LF: Atualmente sinto-me como um “Dom Quixote de La Mancha”. SI: Qual o personagem mais chato que já leste? LF: Que me recorde, não tenho agora presente nenhuma personagem que possa classificar como tendo sido chato. SI: Qual o poeta/escritor com quem não vais à bola? LF: Não quero ser incorreto com ninguém, por respeito aos próprios, guardo para mim a resposta. SI: Qual a importância dos grandes prémios? Acha-os importantes ou acha que criam pressão sobre um autor através de um mediatismo pouco saudável? LF: Considero discutível, por um lado ganhar um grande prémio não é sinónimo que não existam livros e autores melhores, mas por outro lado quem ganha um prémio conquista mais notoriedade e com isso consegue projetar para outra dimensão a sua carreira. Todos sabemos que existem autores, que até à data do recebimento dos prémios eram desconhecidos para a grande parte do público e que após ganharem, passam a ser muito procurados nas livrarias, particularmente os que recebem o Prémio Nobel da Literatura. Naturalmente essa situação também traz todo um mediatismo associado e pode criar alguma pressão sobre os escritores, mas cada um depois saberá a melhor forma de lidar com essa situação. SI: Gostaria de ganhar um prémio em específico? Um Nobel, por exemplo? Quais as suas aspirações? LF: Não penso nisso sequer e não tenho aspirações nesse plano, apenas limito-me a escrever as minhas histórias, os meus livros. Conheço o que faço e para mim o melhor prémio é sempre o reconhecimento do meu trabalho e dos livros que escrevo pelos meus leitores. Se existir um leitor que o valorize já me sinto satisfeito, é para eles (leitores) que no fundo destino as minhas palavras. SI: Em jeito de conclusão, que conselho dá a novos escritores e a escritores que ainda estão “no armário"? LF: O conselho que posso dar é que nunca desistam e acima de tudo que não tenham medo de dar a conhecer o vosso trabalho. O caminho é feito de pequenos passos e é fora do “armário” que o podemos percorrer, sendo que não é fácil como já referi, mas também se fosse não tinha piada.
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AutorPedro Maia Histórico
Janeiro 2022
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